Em Leixões há um Porto Seguro

A experimentar

A História começa assim: há 29 anos, com alguns amigos de Lisboa, eram quase 4h da tarde e todos estávamos esfomeados, por grande parte deles ter terminado mais um dia de regatas em Leixões. Depois de muitas tentativas para almoçar, sem sucesso, há um pequeno restaurante, na Rua de Fuzelhas, que teve piedade de nós. Fomos recebidos, de braços abertos, com uma enorme simpatia e umas febras de porco na brasa, batatas fritas e salada mista que ainda hoje são recordadas. O Arquinho do Castelo era, nessa altura, pequeno e simples, tinha preços módicos, num estilo de taberna com mesas corridas de madeira. Na cozinha de casa de bonecas, cabia a Dona Lina e mais uma ajudante, na sala  o Senhor António (Toninho para os amigos) fazia as obséquias. Dona Lina é uma amorosa autodidata com mão cheia para a cozinha. A comida era deliciosa. O arroz de tamboril, que ainda hoje tem o truque de levar arroz agulha misturado com carolino, tinha a virtude de transformar um peixe sem grande sabor em algo carnudo e de enorme riqueza no paladar. O arroz de polvo (malandro) com filetes do mesmo, as pataniscas de bacalhau de entrada, a morcela grelhada, a petinga frita ou os peixes na grelha, transformaram rapidamente este pequeno tesourinho num local de culto. 

O Toninho, do que gostava mesmo era da pesca e de jogar futebol. Um dia, antes de ir para o jogo com mais dois amigos, dizem-lhe: “não te importas de ir mais cedo e passar pela Escola de Hotelaria do Porto, porque nós temos de fazer o teste de admissão para o Curso de Restauração e Cozinha?” Toninho não só fez o favor de levar os amigos como resolveu, também ele, fazer o dito teste. Ironias da vida e do destino, os amigos ficaram fora e o Toninho foi admitido. O curso foi feito com mérito e distinção. A vida familiar estava alinhada e a vida profissional, com algum sacrifício e muita dedicação, ficou imediatamente direcionada. Dizem as boas línguas que, ainda hoje, faz um bife tártaro de se tirar o chapéu.

O sucesso da casa da Rua de Fuzelhas aconteceu naturalmente e passados alguns anos, o casal Lina e António, abrem o atual Arquinho do Castelo, um pouco mais acima e com entrada pela Rua do Castelo. É um espaço moderno e confortável, com um certo ar de praia pelas mesas e mobiliário branco.  Dois pisos, expositor de peixes e mariscos bem recheado e de uma frescura inatacável. Tem uma equipa de serviço que faz inveja à maior parte dos concorrentes. E faz inveja por se manter intocável há anos como se de uma família de sangue se tratasse. A estabilidade e ritmo de serviço é algo que qualquer cliente vai sentir e gostar. Infelizmente, é cada vez mais raro de se ver. A acústica das salas não é a melhor e a carta de vinhos teima em não estar atualizada, mas o que vem para a mesa transforma esses dois pontos em simples pormenores. 

Para as entradas, António continua a ir buscar a broa de Avintes à origem e, quando se apanha morna e húmida por dentro, o difícil é parar. Aparecem sempre bolinhos de bacalhau, croquetes e rissóis fritos na altura. A sopa de peixe é bem apaladada e com boas lascas de peixes variados. O camarão, lagostins, navalheiras, percebes, sapateiras ou santolas, sempre cozidas com rigor. Os carabineiros, na frigideira com alho e malagueta e o pão a aterrar no molho, dão muito prazer. 

Em todos estes anos, desde as tais febras de porco, só me lembro de pedir pratos de carne duas vezes. Uma delas, pedi um arroz de pato ao almoço, que além de estar bem soltinho, tinha a particularidade de ter um ovo estrelado em cima. E que bem ficava! Outra das vezes, almocei rancho e como em tudo no Arquinho, estava bem apurado, com um molho espesso, massa cotovelo sem estar cozida demais e um bom chouriço de carne. 

Aqui o peixe e o marisco comandam a vida e a mesa. Os peixes, impecavelmente grelhados, acompanham com um imperdível arroz malandro de legumes, com bróculo al dente, feijão vermelho, couve e uma calda com tomate deliciosamente apurada. Há uma coisa que não está na lista, mas que adoro pedir: um linguado de grande porte frito. A pele vem estaladiça ao toque da faca, suculento por dentro e cheio de gelatina junto às espinhas laterais. 

Todos os arrozes, seja o arroz do mar, de lavagante ou tamboril, têm uma mão especial. Para melhor definir o meu sentimento, é aqui que venho sempre que tenho clientes ou amigos que vêm pela primeira vez ao Porto. 

Nas sobremesas, o carrinho de serviço é bem recheado. O pão de ló com ovos moles num estilo “Ovar”, o pudim Abade de Priscos em formato flan é cheio de glicerina e brilho, e a tarte de amêndoa (picado de abelha) jamais vai desiludir. 

A oferta em Leça da Palmeira é grande e tem grandes referências de boa mesa e bom serviço, mas todos nós temos aquele “ás de trunfo” que colocamos na mesa quando não queremos correr o risco de alguma coisa correr mal. Um dos meus é este.


José Manuel Pires

Empresário

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