Dois elementos icónicos de uma mesa portuguesa serviram para batizar uma excelente casa de comer, que se abriga na bonita praia de Leça da Palmeira.
O Garfo & Rolha é um restaurante prático de propostas não muito amplas, mas extremamente convincentes. Fazem falta este tipo de restaurantes que inovam na cozinha regional portuguesa dando-lhe leveza e aprumo, mas sem a descaracterizar ou desvirtuar.
A sala é muito asseada, também ela leve e elegante, com um design que apesar de arrojado e sincero não complica o conforto e a familiaridade que procuramos.
O serviço é jovem e expedito, atencioso e também ele familiar.
Muito boa a carta de vinhos, a mostrar que a rolha tem presença que chegue no espírito de todos. Garrafeira à vista, bonita dando o enquadramento devido a um restaurante que pretende também ser classificado como gastrobar.
O projecto é de Filipe Moreira e é um daqueles casos em que temos que dizer que “filho de peixe sabe nadar”. Os pais são os fundadores e donos do grande “Salta o Muro”, e quando há 9 anos o jovem Filipe, com experiência na área da saúde, mostrou vontade de ir trabalhar para fora, os pais, só com aquele filho, desafiaram-no a abrir um novo restaurante. E ainda bem que o fizeram porque retiveram o enorme talento que o Filipe tem para formar ambientes e equipas e a sensibilidade que mostra para apresentar uma carta de elevadíssima qualidade. Percebe-se que o centro está no produto, mas o processo criativo associado, que tem o apoio do Chef Álvaro Costa, permite a tal consistência que sentimos do princípio ao fim da refeição.
A ementa percorre-se bem. Recordamos o menu executivo que a um preço de 15 euros oferece uma boa mostra do que o Garfo & Rolha nos oferece.
Mas comecemos no sítio certo que é o princípio. E o princípio está num pão fulgurante de massa mãe e numas tostas finíssimas que vão muito bem com manteiga batida ou com um azeite escolhido pelo Filipe.
Nas entradas, não deixe de provar o brás de cogumelos. Mal sabia o velho Sr. Brás, da famosa tasca do Bairro Alto, que o bacalhau com o seu nome podia afinal ser feito sem bacalhau e desta forma tão inspiradora. O ovo português e as pataniscas são outras entradas em que vale a pena apostar.
Na substância, destaque para a lulinha salteada que nos faz lembrar as artes da Mãe Palmira Martins, que segura com estoicismo o leme do “Salta ao Muro”.
Os caldosos que vêm em tacho de ferro são um ex-líbris da casa. O Arroz de robalo ou robalo de coentrada revelam uma arte antiga e segura de lidar com dois produtos de enorme trapio nacional.
Mas “guardado estava o bocado”… No final veio um Naco fatiado em cima de uma esmagada de batata. Nada de demasiado surpreendente, dirão. Nada disso – acreditem que é uma enorme experiência para o palato de recuperar sabores antigos, da antiga batata de semente, feita com generosa manteiga, a encher-se dos sucos da carne para este inexcedível “grand final”.
Sobremesas com a mesma delicadeza e timbre caseiro.
Se quer um conselho: não escolha! Entregue-se com confiança nas mãos do Filipe. Assim fizemos também nos vinhos (a casa quase faz muitos jantares vínicos) e acabamos por beber um guloso rosé alentejano – O “Mamoré de Borba”, que foi muito bem quer com o peixe, quer com a carne.
Parabéns ao Filipe Moreira pela forma tão elegante como mete o garfo e tira a rolha da boa culinária e vinhos portugueses.
Texto de António de Souza-Cardoso
O artigo foi publicado originalmente no Semanário Vida Económica