Camelo da Apúlia, o irmão mais novo do Bib Gourmand de Santa Marta de Portuzelo

A experimentar

Falar do Camelo da Apúlia passa sempre por honrar António Camelo, minhoto de gema, raça e coração, que inaugura a casa original em inícios dos anos 80. Focada na boa cozinha regional minhota, traz à mesa cabidelas, sarrabulhos, rojões, cabritadas ou anho no forno, e outras epifanias de igual relevo. Conhecedor e dono de um bom paladar, feitio muito particular, adora apreciar um cliente numa mesa farta a deleitar-se com as coisas boas que saem da sua cozinha, na freguesia de Santa Marta de Portuzelo, a poucos quilómetros de Viana do Castelo. 

E por falar em feitio, o do seu filho Rui, responsável pelo Camelo da Apúlia, saiu refinado. Sempre em alta rotação, muitas vezes destravado na língua, é uma figura carismática. Goste-se ou não, por vezes ouvimos um português vernáculo na sala (para os mais púdicos, fica o aviso), hoje está mais calmo e o gosto e afeto pelo “seu” Camelo é inquestionável. Nos anos mais complicados para a restauração, uma vez ouvi-o dizer: “mesmo que não venda lavagantes, dá mau aspeto ter o aquário vazio. Tenho sempre de ter lavagantes de qualidade.” 

São constantes as melhorias que Rui vai fazendo na esplanada e na sala principal. Toalha de pano branco, cadeiras muito confortáveis, cortinas brancas até ao chão, mesas bem ataviadas (embora com talheres de peixe apenas a pedido), copos Riedel para vinho, tudo para dar conforto aos comensais. 

Inicialmente com a Daniela na cozinha (atualmente na Casa dos Arcos, em Barcelos), hoje com a Fernanda, a qualidade e o serviço não se ressentem. Serviço ritmado e organizado, equipas rodadas e atenciosas, o que é de louvar quando temos recorrentemente casa cheia. 

Nas entradas, gosto da bôla de carne, muitas vezes ainda morna, bem recheada e fofa. As moelas são levemente picantes, o molho é espesso e bem refogado, boas para molhar o pão sem ninguém ver, a alheira de caça com grelos é de boas carnes e tem gordura no ponto. A Xorinha é maravilhosa, cheia de farripas de peixes num caldo espesso e cheio de sabor (umas gotas de picante extra valem bem a pena). Percebes cozidas com malagueta e apanhadas nos Cavalos de Fão, as amêijoas e mexilhões no tacho, quando os há, são, também, um belo começo.

O expositor de peixe à entrada normalmente está recheado com exemplares de grande porte, alguns pescados à linha, e que podem ser trabalhados em arrozes, caldeiradas, massadas ou simplesmente grelhados. A pescada ou o robalo à poveira levam uma tomatada com toque de vinagre, muita cebola e pimento por cima da posta de peixe que é previamente cozida. Acompanha batata cozida que fica deliciosamente bem embrulhada naquele molho. O arroz de robalo é espetacular e o robalo vem em postas, que são previamente fritas para ficarem crocantes e depois colocadas dentro do arroz, com tomate, muitos coentros e ovas no tempo delas. A massada de robalo, cherne ou garoupa é rica, outra vez os belos refogados de base, massa cotovelo na cozedura certa, gambas, amêijoas e coentros. 

Nas carnes, muitas provenientes dos Talhos Jacinto, onde muitos chefs do Norte vão abastecer-se, a vitela assada é do nispo, muita gelatina a desfazer-se mal sente o garfo, bem tostadinha e a acompanhar com ervilhas estufadas e batata assada. Os rojões, bem rijados, podem ser pedidos com ou sem sarrabulho. Na minha opinião, ganham muito quando acompanhados com o arroz de sarrabulho, rico em carnes (muitas delas caseiras) desfiadas, cominhos qb, num sabor genuinamente minhoto. No arroz pica no chão, o galo caseiro nota-se bem pela cor amarela da gordura, pela pele e pela excelente textura da carne, é bem apaladado e avinagrado como deve ser. 

Na grelha, as carnes são muitíssimo boas, no entanto, quando se pede mal passadas vêm algo frias no interior, o que denota que possam sair do congelador para a grelha. Um ponto a rever, ou então um pequeno expositor refrigerado para carnes seria um belo upgrade.

Nas sobremesas, se tiverem sido feitas no dia, recomendo as famosas rabanadas com mel e frutos secos, crocantes e gulosas. Sendo da véspera, são servidas aquecidas e ficam algo moles. Neste caso, a oferta é enorme e aconselho as  tradicionais clarinhas de Fão. 

A lista de vinhos está finalmente organizada e com uma boa oferta representativa por região, no entanto, há que manter stocks para não acontecer como no passado, em que era comum pedir vinhos da carta que não existiam.

Em resumo, tudo com uma qualidade inquestionável, com gosto em bem servir e gastronomia séria com identidade minhota.


José Manuel Pires

Empresário

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