O banquete de Estado

A experimentar

Política à mesa

Colaborar, de forma regular, com o EGGAS implicou saber escolher uma temática que relacione a mesa e a alimentação com as problemáticas que melhor conheço, como é o caso da atividade política. Assim, caros amigos e amigas, quinzenalmente, tentarei produzir alguns textos que possam ajudar a compreender porque é que muitas decisões políticas que podem influenciar o destino de muitas pessoas são, por vezes, tomadas durante um bom repasto.

Daí que a minha primeira abordagem venha a invocar os chamados banquetes de Estado. Quantas decisões foram, ao longo dos tempos, possíveis graças a essa forma de diplomacia que consistia na arte de promover os produtos e os pratos locais e, ao mesmo tempo, saber seduzir o interlocutor graças à gastronomia. 

Existem banquetes de Estado que foram célebres, como o que Salazar ofereceu à Rainha Isabel II de Inglaterra, onde o nosso ditador se preocupou com a seleção dos copos e dos serviços de louça, mas também com a ementa e a promoção da gastronomia nacional. Desde a Idade Média que, às mesas das refeições, se fizeram alianças, se construíram casamentos e promoveram revoluções. 

A mesa e a alimentação estiveram sempre na preocupação política dos responsáveis. Quem não se lembra, logo no início da Revolução Francesa (1789) da sugestão de Maria Antonieta de, à falta de pão, dar brioches aos sans-culottes. Daí que seja interessante pensar como políticos de muitas gerações souberam filosofar entre um bom peixe ou uma peça de caça acompanhando com um excelente vinho.

O banquete de Estado tem, pois, um especial lugar no protocolo e evidencia, muitas vezes, a consideração do anfitrião pelo seu visitante e permite às elites do momento conhecerem melhor a outra parte. 

Ainda agora, o rei Carlos III deu o seu primeiro banquete de Estado, em Buckingham, para receber o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa. Uma viagem que foi planeada um ano antes e a montagem da sala e da mesa do banquete começou cinco dias antes da chegada do chefe de estado sul-africano. Estiveram envolvidos 450 funcionários sob a liderança do Mestre da Casa Real, um cargo que existe desde 1539. Foi ele o responsável pela gestão de mais de 2000 talheres, 1000 taças, que integram o chamado Grand Service, encomendado pelo Rei Jorge IV que só terrines tem 14, 140 pratos e 288 pratos rasos entre outras peças, tudo com uma precisão militar como costumávamos ver em Downton Abbey.

Poderíamos acrescentar ainda o que isto implica em vestuário e no cerimonial do evento, dos brindes até à conversa, não esquecendo os discursos.

Nos dias que correm, os banquetes de Estado ainda revelam a importância, a delicadeza e a riqueza dos governantes, mas nem sempre conseguem atingir o objetivo diplomático da cordialidade entre os povos. Como poderia ser importante promover uma refeição quente entre Putin e Zelensky e, a partir dali, quem sabe com a ajuda do secretário-geral da ONU, terminar a guerra entre os dois países e permitir a livre circulação dos cereais levando alimentos à pobre e desesperada África.


António Tavares
Professor Universitário de Ciência Política

 

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