Com a provecta idade dos meus 50 anos, julgo já poder contar-vos os muitos anos que passei na companhia do Rogério do Redondo. Não o conheci logo em 1985, altura em que Rogério Vieira de Sá iniciou esta aventura, mas tive o gosto de privar com ele a partir de meados dos anos 90.
Primeiro na Casa de Pasto do Ribatejo, com o seu irmão Vitor, que deixou saudades pela fantástica cozinha da Dª Isabel (e mais tarde a Dª Júlia) e pelo agradável espaço ao ar livre debaixo das ramadas de uva americana. Recordo com saudade umas estupendas línguas de bacalhau panadas, cheias de gelatina e agradável resistência no dente, a acompanhar um arroz de bacalhau e pimentos numa versão seca.
E lembro-me particularmente de uma história, que se passa no primeiro ano do novo século, num dia em que estava marcado um importante jantar com um conhecido distribuidor de vinhos e um número considerável de ilustres convidados. O Rogério, no dia anterior, sai disparado para o Algarve para comprar marisco e como não encontra os lagostins e carabineiros que pretendia, não esteve com meias medidas e adiou o jantar até aparecerem os bichos com a qualidade que ele justamente exigia. Recusava-se a fazer o jantar sem a matéria-prima que ele achava essencial para o repasto. Logística à parte, o jantar foi excecional e ainda hoje recordo os lagostins quase crus e de uma doçura inebriante, que acompanharam na perfeição o Jacquesson 727 e os carabineiros espetaculares que bailaram com um William Fevre (penso que o Fourchaume, se a memória não me atraiçoa). Terminou com umas Canilhas e Jardins de Babylone, ainda com Didier Dagueneau aos comandos.
O Rogério é assim. Tem uma preocupação extrema com o que nos apresenta na mesa. Essa, é, aliás, a razão para muitas vezes termos pratos com valores aparentemente exorbitantes na carta. Não deixem por exemplo de, quando houver, experimentarem o Arroz de Camarão. Mais não digo, porque é importante ficar, qual perdigueiro que espera o tiro, de pata levantada, cauda esticada e com as orelhas em pé.
O espaço de hoje (pelo meio foi vendido, fechou em 2015 e reabriu novamente em 2019), é, também ele, bem diferente do anterior. Já não há tainadas com os amigos, nem se joga às cartas noite dentro depois da porta fechar. O Rogério está mais calmo, deixou as recordações de Angola para trás e remodelou o restaurante para uma nova vida.
Toalha de pano, mesas espaçadas com bonitas cadeiras, armários para expor uma garrafeira acima do competente (muito embora deva haver mais cuidado com a temperaturas de serviço em alguns vinhos), cozinha à vista para espreitar com respeito e admiração a Dª Fátima que, desde sempre, comanda os fogões da casa.
Lá dizia Odorico Paraguaçu: “deixemos os entretantos e passemos aos finalmentes”.
Nas entradas, onde a oferta é reduzida, os bolinhos de bacalhau são deliciosos e crocantes, nem batata, nem bacalhau a mais. As petingas estaladiças não precisam de talheres e são sempre de uma frescura inatacável.
E daqui para a frente? É difícil escolher. É tudo bom.
Gosto particularmente do Chispe com Feijão Vermelho (terça-feira), caldoso, bem apurado, com umas rodelas de cenoura a dar doçura, nabiças para tornar a luxúria ainda maior e a gelatina a derrapar no nosso prazer.
Claro está, que não podem faltar as Tripas (quintas e sábados). Para mim, o meu top 2 é o Líder e o Gaveto (sábado), mas estas estão logo a seguir, no limiar da perfeição. Para quem gosta delas menos “puxadinhas”, então estas podem saltar para o topo da lista. Mão de vaca, barriga, chouriço de carne e de sangue, orelheira, cenoura e às vezes sai o jackpot de uns ossinhos de presunto. Os cominhos estão no ponto e se puder peça um picante para espevitar a alma.
O Cozido à Portuguesa às sextas é um monumento. Tudo tem sabor. A cenoura, as batatas e as couves valem por si só (a lembrar as vezes que vou a Trás-os-Montes), costela, carne de vaca com suculência, frango, orelheira, pezinhos, chouriço de carne guloso, ossos de assuã de ir ao céu, o arroz branco com duas rodelas de bom salpicão e o pormenor da cabeça do porco cozida a vir à mesa num carrinho para ser servida. Que classe! Calharam-me umas lascas da faceira bem salgadinhas que deixei para o fim. Para mais tarde recordar.
No Bife de Vazia na brasa ou no Costeletão, só é preciso uma coisa. Começar pela gordura. Com um sabor que indica com olhos fechados a qualidade da carne. Quando tenho desejos carnívoros, é neste bife que penso. Atenção que dá para 2 pessoas sem problemas. Aliás, tudo no Rogério é em doses muito generosas. E as batatas fritas são cortadas no dia.
Normalmente, há Garoupa de grande porte na grelha ou no forno. Às vezes Cherne. Outras Rodovalho. Sempre há Filetes de Peixe Galo com Açorda de Ovas (se for tempo delas). Tive a sorte de ter apanhado uma vez Pezinhos de Coentrada e de ter ficado muito entretido sozinho ao almoço. A Pescada fresca Cozida com Todos é uma referência. E já me ia esquecendo da Costela Mendinha no forno, bem tostadinha e a separar-se do osso. E às sextas-feiras, em vez de pão (o ponto fraco do Rogério) há Folar Transmontano da Serramota de Mirandela.
As Canilhas (tubos de uma massa estaladiça e leite creme, polvilhados com canela) deixaram de existir, por falta de fornecimento de quem as fazia e como tal, sobram os Matateus de massa estaladiça, coco, amêndoa laminada, creme de ovo e chila, que são uma excelente opção para acompanhar o café (também podia ser melhor) ou um copo de Vinho do Porto.
A carta vai variando, sempre num registo regional, de grande cuidado na execução e no sabor e de grande exigência com o produto e matéria-prima. Serviço simpático e atencioso. Acima de tudo aquele lugar onde, depois de conhecer, qualquer um tem vontade de voltar.
Como dizia Anthony Bourdain, “o seu corpo não é um templo, é um parque de diversões”.
Como se diz no Porto, no Rogério do Redondo, conseguimos ter “ambos os dois”.
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