Qual é Afinal o Melhor Restaurante do Algarve?

A experimentar

Esta seria a pergunta para uma resposta de muitos milhões de euros.

Pois é, caríssimos leitores, vou abrir uma única exepção neste meu cancioneiro que pretende promover e celebrar os grandes restaurantes portugueses em todo o mundo, para vos falar de outros chefs que, com o mesmo desvelo e a mesma paixão, fazem iguarias de encantar neste período de férias que o verão generosamente nos dá.

Aviso já para que o suspense não seja demasiado que esses maravilhosos chefs somos todos nós! E que poucos como nós vivem estes momentos com tanto brio e determinação. Nos dias antes da viagem, ainda em nossa casa certificamo-nos que a outra que alugamos tem as condições mínimas de trabalho, para um desempenho que queremos que esteja à altura dos nossos propalados pergaminhos. Boa placa, bom forno interior, bom barbecue. Frigorífico amplo, como ampla deve ser a zona de trabalho. A palamenta também suscita preocupação e deve ser vistoriada por fotografia antes de nos atrevermos a partir.

Como em tudo na vida há coisas em que confiamos e, outras… não! Levar uma das nossas facas é mandatório para que tudo corra bem. Nunca confiar numa faca de casa alugada, normalmente de qualidade e aprumo miseráveis. É muito interessante a chegada da família à casa de férias. Os miúdos estão atentos às distâncias dos sítios de diversão. A minha mulher mede os metros para se chegar à praia, eu vou essencialmente atento à distância para o mercado mais próximo ou para um Apolónia qualquer que nos dê a confiança do produto.

Lá nos organizamos. Uns pelas mordomias da piscina, outros descobrindo os quartos. Eu vasculhando de alto a baixo aquela que já é a minha cozinha. Começaria logo no dia seguinte e teria de ser em grande. Para já, cozinharia para o rancho de miúdos/graúdos que veio connosco. Miúdos que parecem em permanente estado de “morto de fome” – o ideal para a experimentação que preciso. Vamos às coisas simples – afinar os ragoûts. Umas moelas para começar. Uso alho, louro e pimentão, a Santíssima Trindade que o azeite exige! Depois de selar as moelas cubro com vinho branco e, depois da redução, com caldo de carne. Deixo ficar num lume morno e teimoso. Regresso duas horas depois. O molho reduziu e engrossou. Precisa ainda de vida. Um tomate sem semente partido em bocadinhos pequenos, um cheirinho de cominhos (lá fui eu revelar o segredo), um quase punho de piri piri e, finalmente, uma golpada generosa de molho inglês. Mais lume. Mais morno. Provo e penso fugir para longe com aquela inolvidável iguaria!

Resisto. Viro-me para um prato do povo que aprendi quando passávamos noites a cantar em S. Paulo, na Vila Madalena (que saudades!). O suor pingava por nós abaixo. Só o chôpe gelado e esta iguaria nos mantinham vivos. Que iguaria? A calabresa, claro, cortada fina e posta a tostar em cima de uma cebola farta a nadar em azeite que já tínhamos caramelizado. Outra vez o punho de piri piri. O molho da calabresa pede aquele pão fofo que aqui no algarve encontramos em Rogil. Coisa boa. Molhar primeiro o pão no molho, e a seguir, molhar o beiço no idílico conjunto. Tudo empurrado pelo estupidamente gelado (o chôpinho, claro está). Os miúdos estão em ponto de rebentação. Mas ainda há mais para que ninguém fique sequer a bulir. Um pernil (três para ser mais exacto) com batata a gomo e cebola pequenina testaram o forno. Oh Vaga de mar! até eu me emocionei com  a exuberância do prato que se completava com uns luzidios grelos ao alho. Corri as sobremesas a gelados com medo que os convivas de tão pesados me adormecessem todos em cima do prato. Tinha ganho a praça. Sairia em ombros e com direito a não arrumar a cozinha.

Deitei-me a pensar no dia seguinte: a ida cedinho ao mercado, o velho Apolónia a seguir para nada falhar. Não tinha a cataplana – faria massada de cherne, robalo e gambas – de cotovelo, claro está! A mistura do pimento verde e vermelho e o selar das gambas gordas no azeite com alho são parte do segredo. Faltava o prato de carne, mas o prato devia ser fresco. Lá ia eu para o meu premiado escabeche de perdiz. Prato de família que fazemos de olhos fechados, mas que dá sempre um enorme sinete. Desta vez fui comprar figos e Dom Rodrigos e as natinhas do Vale da Telha que são as melhores que o mundo tem! Tudo feito. Missão cumprida em 2023.

Viria ainda nos dias seguintes um ceviche e um churrasco de anchova e de costeletão, com arroz biro-biro. Pratos já para noites folgadas e amigos premium, destes que não se impressionam porque estão habituados aos vícios todos.

E aqui está a resposta sobre o melhor restaurante do Algarve? O restaurante ambulante é mesmo o nosso  – o restaurante do António, do Zé ou do Manel, aberto 7 ou 8 dias por ano. Mas onde, dizem, somos transportados muitas, muitas vezes ao céu!

Texto de António de Souza-Cardoso

Este artigo foi publicado originalmente no Semanário Vida Económica

 

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