Há restaurantes antigos na Invicta que de tão confiáveis ficam agarrados a nós. Por razões de geografia de vida estive em duas ocasiões muito próximo deste restaurante que fica ali na subida de Antunes Guimarães, já a chegar a Pereiró. A oferta profusa que emana hoje da cidade e outra geografia de família e de trabalho afastaram-me desse redor. Mas, recentemente, por via de uma Conferencia Internacional que a AGAVI realizou no ISAG, ali nas cercanias da Maria Eugénia, lá me lembrei de regressar onde já fui muito feliz.
E fi-lo em boas condições. Sou um sensacionista que gosta e confia nos sentidos. E que percebe que eles se estimulam mais quando existe contraditório ou cumplicidade. Mas não fui acompanhado. Fui sozinho. E, talvez por isso, estive mais atento a às eventuais diferenças do passado, não demasiadamente remoto, para o que é o restaurante nos dias de hoje.
O espaço está rigorosamente igual – o que, cá para nós, não sei se é bom. Mesas demasiado juntas, barulho mais do que suficiente. Um bar que transborda para a sala e uma penumbra que não nos faz sorrir com as delícias do Verão que por cá alegremente vivemos.
Mas a verdade é que lhe resta uma vantagem. A confiança. É o que sempre foi. E não destoa em nada do passado porque deste se não diferencia.
Os empregados parecem saídos do “Pai Tirano”. Ficamos a achar que estão conservados em formol. Mas, em cada gesto de cada um, redescobrimos o desvelo e cuidado que as salas tinham. Um serviço diria mais reverencial, desde a indumentária até à vénia percetível de cada um destes brilhantes profissionais.
A ementa podia ser o que comemos no último mês em nossa casa. Ou na da Avó que é ainda mais seguro.
A amesendação à antiga, onde só não gosto do tamanho pequerrucho dos copos. Uns bolos de bacalhau deliciosos, ainda mornos, serviram para abrir as hostilidades. Pão caseiro a estalar com o manda o preceito português. Carta de vinhos competitiva e bem guarnecida
O menu tinha tudo aquilo de que eu me lembrava. Boa comida de conforto. Sardinha pequena com arroz de grelos, bacalhau à Zé do Pipo, filetes de polvo com arroz de feijão e a grande cabeça de garoupa cozida com todos.
Sem esquecer um dos pratos talismã da casa – o esparguete com camarão à moda chinesa.
No mundo da boa carne que aqui nos servem destaque para o coelho à caçador, os rojões, o naco de vitela, a alheira de broa, o fígado de cebolada, o naco, as tripas (divinas que aqui também se servem), a costela mendinha assada no forno á serrana e um divino rosbife à inglesa.
Como os meus caros leitores confirmarão isto é uma casa séria de família.
Mas perguntarão o que foi que eu escolhi desta lista extensa (?). Apenas um arroz de vitela de que me não lembrava e que pedi que viesse acolitado de um ovo estrelado. O empregado solicito disse que traria o ovo à parte. Estranhei, mas logo percebi quando me deixaram uma travessa generosa com arroz caldoso de vitela e couve branca. Ora com o caldoso é que o ovo já não ia pensei eu, com algum desagrado pela escolha que tinha feito.
Dei, a medo, a primeira garfada. Oh vaga do mar(!), pensei eu – isto é comida de Deuses de tão sápida e apaladada. Colher a colher lá acabei com a travessa e com o ovo estrelado que ali se espraiou com inusitada doçura.
Um pitéu!
Não houve espaço para a sobremesa que merece um regresso já aprazado interiormente.
Que saudades da Maria Eugénia! Grande cozinha de conforto, destas que nunca cansam e nos aliviam de algumas agruras da vida!
Texto de António de Souza-Cardoso
Este artigo foi publicado originalmente no Semanário Vida Económica