2020: premiar o mérito de servir “alta cozinha de Monção” no centro de Lisboa

A experimentar

Evaristo Cardoso veio muito novo para Lisboa. Trabalhou em cervejarias e restaurantes e em 1974 abriu o Solar dos Presuntos. Fazia questão de ir a Monção buscar produtos de qualidade e ergueu um ex-libris gastronómico na capital, acarinhado por artistas, desportistas e políticos. Em 2020, o Solar dos Presuntos recebeu a distinção Mesa com Mérito pelo Guia Boa Cama Boa Mesa. Todas as semanas, para comemorar os 50 anos do Expresso, fazemos uma viagem no tempo, com o apoio do Recheio, para relembrar 50 restaurantes que marcaram as últimas décadas em Portugal.

De súbito, o silêncio dá lugar a uma legião de vozes e pratos em roda viva. No meio da azáfama, Carolina Cardoso tenta sensibilizar o pai, Pedro Cardoso, para se conseguir ”encaixar” uma mesa de jornalistas do The New York Times e The Washington Post que estão em Lisboa para a Web Summit de 2022. “Têm contacto com centenas de restaurantes pelo mundo. Queremos que se sintam bem acolhidos e, quando vierem a Portugal, se lembrem e repitam a experiência no Solar dos Presuntos”, justifica.

Carolina tem também noção da visibilidade que essa mesa especial pode gerar e a sua clarividência deixaria, por certo, orgulhoso o avô, Evaristo Cardoso, que fundou o Solar dos Presuntos com a esposa, Maria da Graça, e o irmão Manuel. Evaristo soube cativar como poucos as mais influentes figuras para este mítico restaurante, como demonstram as paredes atestadas de fotos. E não era bem sucedido somente pela qualidade da comida. A todos fazia sentir em casa e alimentava boas relações com notáveis, que traziam os amigos. Os outros clientes, por sua vez, “gostavam de ver os artistas” e também voltavam.

Evaristo faleceu a 20 de dezembro de 2022, aos 80 anos. A sua generosidade confirmou-se uma última vez, ao conceder ao Boa Cama Boa Mesa, mesmo combalido, aquela que terá sido a última entrevista, a 2 de novembro desse ano, dia desta reportagem. Não podia vir ao restaurante, mas estava “em cima do acontecimento” e com o “pensamento” no Solar, como sempre. “Eu realizei a obra, mas tenho bons seguidores, o meu filho e a minha neta”, dizia ao telefone. A importância do legado foi interiorizada pelos descendentes: “Vieram de Monção e tiveram de trabalhar muito antes de abrir. A minha avó diz que, no inverno, cozinhava com a água quase até aos joelhos. Não consigo imaginar a força que tiveram para continuar, o que era trabalhar tantas horas para começar, aos pouquinhos, a juntar o seu dinheirinho e a conquistar os clientes. As adversidades não foram um impeditivo para desenvolverem este património. É inacreditável e uma grande honra poder continuar isto. Tenho muito orgulho neles e no meu pai porque não foi fácil pegar nesse património e ajudar a desenvolvê-lo”, comenta Carolina.

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