“O Douro visto daquele píncaro é o Paraíso prometido em todas as lições de catequese. É grandiosamente belo! As montanhas entrelaçam-se, magníficas, para, de repente, se escancararem em vales matizados com toda a paleta de verdes e castanhos que Deus inventou.” Francisco Moita Flores
Fez ontem 162 anos (decorria o dia 12 de Maio de 1861) que Dona Antónia, a Ferreirinha, quase perdeu a vida (ironicamente) nas águas do Douro, um rio que tanto adorava e que tanto acarinhou. Saída de barco da Quinta do Vesúvio, uma das suas inúmeras quintas, na companhia do seu segundo marido, Francisco Torres, e de um grupo de amigos, entre os quais o Barão Forrester (dono da casa de Vinho do Porto Offley), Dona Antónia enfrentou a morte quando a embarcação em que seguia naufragou à passagem pelo então traiçoeiro Cachão da Valeira, no troço onde actualmente se encontra a barragem.
Reza a lenda que Dona Antónia se terá salvo devido ao facto da sua saia rodada ter formado uma espécie de balão que a manteve a flutuar até que o socorro tivesse chegado. A mesma sorte, não tiveram, infelizmente, a cozinheira Gertrudes e um criado de Francisco Torres, bem como o Barão de Forrester, que se afundou para nunca mais ser encontrado. Uma versão popular do naufrágio contada pelas gentes do Douro diz-nos que o Barão talvez não se tivesse salvo devido a um cinto especial com uma grande quantidade de moedas de ouro que transportava sempre consigo.
Para romantizar ainda mais a história, diz-se ainda que ele andava sempre com todo aquele peso em moedas de ouro para impressionar Dona Antónia e quem sabe tornar-se seu marido. Depois desse episódio Dona Antónia ajudou a acabar com a filoxera, modernizou a produção de vinho, investiu em novas plantações de vinhas em zonas mais expostas ao Sol, criou estoques de vinho do Porto e aproximou o seu Douro do seu país, através do incentivo que deu ao desenvolvimento da ferrovia.
Investiu ainda, de forma apaixonada e intensa, na sua região, sem esperar pela protecção ou apoio do Estado (será que Dona Antónia votaria Iniciativa Liberal? ;)). Da Ferreirinha diz-se que era generosa com os pobres e mais fracos, mas altiva com os mais ricos e poderosos (será que votaria PCP? ;)); e que estava com a mesma naturalidade tanto em casa dos trabalhadores mais modestos como no Palácio Real (será que votaria Marcelo? ;)). Todo este carinho que deu ao Douro e às suas gentes foi sendo retribuído.
Um bom exemplo disso ocorre quando a Ferreirinha morre a 26 de Março 1896. Ao longo dos cerca de quatro quilómetros que o cortejo fúnebre percorreu (entre a Quinta das Nogueiras e a Igreja da Régua), 300 mil durienses (!!!) ladearam a estrada e ajoelharam à passagem dos restos mortais da “santa” e da “mãe dos pobres”, como também era conhecida Dona Antónia Adelaide Ferreira, em reconhecimento do “ouro” mais importante e metaforizado na sua generosidade, integridade, ética e alma abnegada.
Deixou uma fortuna considerável com 35 quintas e foi a maior produtora de vinho da sua época. Mas deixou muito mais que isso… Emprestou o nome a uma marca que simboliza memória, conhecimento e excelência, a Casa Ferreirinha, uma referência no mundo dos vinhos e que nos promete contar em cada garrafa, uma história. Hoje falo-vos de 4 vinhos tintos que carregam esse legado.
O Casa Ferreirinha Papa Figos 2019 (7.50 €, 85 pts.) é um vinho rubi com auréola violeta e que exibe um nariz com ameixa vermelha, medronho, sous-bois, esteva e hortelã-pimenta. Na boca faz tudo para ser consensual, sobretudo à mesa: é seco, directo, equilibrado, fresco, redondo e muito sumarento. No seu patamar, há poucos que entreguem tanto.
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