“Sempre que abro uma garrafa de vinho sucede-se uma viagem incrível para algum lugar.” José Andrés
Quando a última Idade do Gelo terminou e os glaciares começaram a recuar, há cerca de 11 mil anos (atrás :P), algo parece ter mudado nas videiras silvestres da Ásia … passaram a ser domesticadas. É a partir desse momento que os primeiros agricultores começaram a cultivar as melhores vinhas, que originavam as uvas maiores e também as mais suculentas.
Depois desse acontecimento disruptivo, o vinho e a civilização, estavam mesmo ali, ao virar da esquina. Essa é a maior implicação da pesquisa científica, publicada no mês passado na prestigiada revista Science, e que juntou contribuições de cientistas de 17 nações. A equipa analisou os genomas de milhares de videiras provenientes de toda a Euroásia, na tentativa de traçar a longa e sinuosa jornada desta querida planta, desde a Idade da Pedra até às nossas garrafeiras.
Este novo trabalho científico reforçou as evidências arqueológicas de que o desenvolvimento da agricultura foi, desde a sua génesis, regado pelo consumo de bebidas fermentadas, sobretudo de vinho. Mas igualmente importante, foi a constatação da enorme probabilidade da videira ter sido a primeira árvore de fruto a ser cultivada pelo homem.
De todo o tipo de videiras existentes, uma começou a ser especialmente preferida pelos hominídeos de então, a Vitis vinifera, aquela que hoje em dia entra em todos os vinhos. Gostamos tanto desta árvore de fruto que até demos a cada variedade diferente um nome específico, Merlot, Cabernet Sauvignon, Pinot Noir, Touriga Nacional, e por aí fora. Curiosamente não fizemos o mesmo com trigo ou cevada, que nos alimentavam. Sempre soubemos priorizar as coisas 😛
Actualmente ainda existem uvas bravas com uma linhagem antiga, do tempo da última Idade do Gelo, da subespécie Vitis sylvestris. Tendem a produzir uvas mais pequenas, em menores quantidades e mais amargas. No entanto, voltaram a ter “utilidade” para a humanidade, uma vez que essas videiras contêm genes que oferecem resistência a um elevado número de doenças e as tornam invulneráveis às mudanças climáticas. Pode residir ali a resposta vínica ao aquecimento global.
Até à publicação do artigo que vos falei, a história sobre a domesticação da videira tinha sido contada apenas pelos arqueólogos, que a escreviam por entre sementes, túmulos e vestígios de vinho em vasos cerâmicos. A ausência de um estudo mais pormenorizado, com análise genética das vinhas, não nos permitia saber grande coisa sobre essas uvas ancestrais.
Infelizmente os nossos antepassados da pré-história ainda não haviam inventado a escrita, e por isso os enófilos de há 10 mil anos não deixaram registadas as notas de prova, as publicações ou as classificações acerca de qual o melhor vinho, a que sabia esse vinho, qual a sua melhor safra, e qual vinho combinaria melhor com um bela tromba de um mamute na brasa 😛
A análise genética deu-nos uns óculos especiais para penetrar nessa névoa vínica da pré-história, período em que simultaneamente o clima pós-glaciar aqueceu, o número de humanos aumentou e os cultivos floresciam pela primeira vez. A análise genética das videiras modernas constatou a tal mudança genética ocorrida há cerca de 11 mil anos.
Curiosamente, essa pormenorizada análise revelou também que a domesticação da vinha aconteceu duas vezes, quase na mesma altura, em diferentes linhagens de uvas silvestres e em latitudes bem diferentes. Uma na região do Cáucaso, que inclui a atual Armênia, Geórgia e Azerbaijão; e outra na Ásia Ocidental.
Sabendo que essas duas regiões estão separadas por mais de mil km, os investigadores hipotisaram que a migração humana, as trocas comerciais e a osmose cultural, poderiam explicar essas duas domesticações separadas. Por outras palavras, o que é bom, é passado rapidamente de boca em boca. Depois desta junção, aconteceu uma separação…
Os autores do estudo acreditam que a linha de videiras do Cáucaso deu origem aos vinhos de então, enquanto que a linhagem da Ásia Ocidental foi escolhida, sobretudo, como fonte de alimento: as uvas de mesa (se bem que a mesa só seria “inventada” 5 mil anos depois :P).
Essa separação originou uma nova junção. As uvas de mesa foram então misturadas com uvas silvestres para criar a Vitis vinifera. Tudo isto bate certo com as já reportadas evidências arqueológicas que sinalizavam a mais antiga produção de vinho no Cáucaso, há 8 mil anos. As diferentes castas foram então espalhadas um pouco por todo o mundo, acabando por originar a profusão de castas, bastante apreciadas pelos enófilos da actualidade.
Assim, a vinha e o vinho foram dos primeiros produtos comercializados globalmente. É inteiramente justo dizer-se que a domesticação da videira foi realmente um dos motores propulsionadores da nossa civilização. É por isso que apesar de existirem inúmeros temas nobres que nos ajudam a ler o nosso passado, o assunto “vinho” é daqueles que há mais tempo foi entrelaçado na trama da nossa memória colectiva. Independentemente do papel que ele foi desempenhando, por vezes principal, outras secundário, o vinho esteve sempre lá!!!
Esteve lá quando no ano 4100 a.C. foi criada na Arménia a primeira adega; esteve lá quando em 3100 a.C. os faraós o bebiam nas cerimónias mais importantes no Egipto; esteve lá quando os fenícios o utilizaram como moeda de troca nos seus negócios no mediterrâneo em 1200 a.C.; esteve lá quando no livro do Gênesis e após o dilúvio, Noé, sob os efeitos dele, se expôs demasiado aos seus filhos.
Esteve também lá a comemorar os sucessos da civilização Grega e do império Romano entre 800 a.C e 150 d.C.; esteve lá em 1500 quando nós, os portugueses, quisemos oferecer algo com valor imaterial aos ameríndios através de Pedro Álvares Cabral, ou então ofertar um sinal de paz aos senhores feudais do Japão nesse mesmo século; esteve lá através do Vinho Madeira no brinde da cerimónia de declaração da independência e criação dos Estados Unidos da América em 1776; esteve lá com Hemingway a inspirá-lo a escrever “O velho e o mar” em 1952, esteve lá na segunda Guerra Mundial quando Winston Churchill motivou o seu exército dizendo-lhes que não era só pela França que estavam a lutar, mas por Champagne; esteve lá na maior ressaca da história aquando da revolução bolchevique, e esteve lá na ProWein deste ano que contou pela primeira vez com a participação de vinhos ucranianos.
Nos três dias do evento, o sector destinado à Ucrânia esteve lotado de jornalistas, compradores e importadores de diversos países que procuravam dar uma mão ao país, num tempo difícil. Tudo isto, como é óbvio, saltando inúmeros e importantes capítulos. Portanto, faz todo o sentido que o vinho tenha também direito a espaços culturais destinados à sua celebração. Embora os museus possam parecer enfadonhos para alguns de vós, quando uma degustação de vinhos faz parte do programa, provar a nossa história e a nossa cultura, passa a ter uma conotação totalmente diferente. Hoje falo-vos, de novo, de um dos mais bonitos e mais bem pensados museus dedicados ao vinho, o WOW Porto – The World of Wine, que compila a história, a magia e as emoções por detrás do vinho português, do ritual dos copos e da indústria da cortiça. Mas vai mais longe do que o seu próprio nome e acrescenta à fórmula a história do Porto e de Gaia, e o que de melhor se faz no norte de Portugal, revelando os segredos por detrás de algumas das principais indústrias da região, como os têxteis e a moda.
Também ao nível da gastronomia o distrito está muito bem representado, sobretudo através do restaurante T&C que faz jus à vocação vínica do WOW. Essa ligação é tão bem conseguida que até é possível fazer uma refeição dentro de tonéis de vinho, o que para além de ser muito divertido para as famílias com crianças, romântico para os casais, permite também estar mais resguardado para um almoço com amigos ou de negócios.
A decoração é acolhedora, a esplanada é romântica e o menu tem algumas surpresas, como a francesinha confeccionada com uma receita muito especial, falaremos dela mais adiante 😉 A sua oferta gastronómica promete conciliar de modo harmonioso, saber, tradição, sabor e apresentação.
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