Hilton Porto Gaia | Uma ponte chamada liberdade

A experimentar

“Entre a minha casa e a tua, há uma ponte de estrelas. Uma ponte de silêncios.”  Mário Quintana.

Estamos numa ponte construída com 20 barcas sob o rio Douro. O dia está chuvoso e frio. As barcas estão ligadas por cabos de aço e que podem abrir em duas partes para dar passagem ao tráfego fluvial. Para pagar a sua construção e limitar o tráfego são cobradas portagens: 5 réis por um simples caminhante, 20 réis por uma pessoa montada num cavalo, 40 réis por um carro de bois e 160 réis por uma carruagem. Se quisermos atravessar esta ponte durante a noite, pagamos o dobro.

Hilton Porto GaiaDentro de minutos os portuenses vão tentar fugir por esta ponte da sua cidade perseguidos pelo exercito francês, procurando abrigo em Gaia. O exército invasor virá no se encalço. Num piscar de olhos morrerão 4 mil pessoas (há quem fale de 20 mil!!!) afogadas no Douro, devido ao colapso da Ponte das Barcas. Parece-vos um conto aterrador? Pois, tudo isto aconteceu há pouco mais de 200 anos perto do local onde hoje encontramos a ponte Luís I.

Hilton Porto GaiaRegressemos a 1800, altura em que a corte portuguesa enfrentava uma situação particularmente preocupante. D. Maria I, a “louca”, foi afastada do poder devido a supostos problemas mentais. Digo supostos, porque os estudos mais recentes indicam que se trataria  “apenas” de uma depressão profunda resultante de alguns traumas familiares (entre os quais a morte de um filho devido a varíola).

O problema é que naquela época, a depressão era vista como um sinal de insanidade, certamente uma obra de forças malignas. Neste impasse o seu filho mais velho, D. João VI, assume a regência para acalmar a corte e o povo. Resolvido um problema, logo surge outro…

Embora Portugal (ao contrário dos ventos de mudança que sopravam um pouco por toda Europa) mantivesse a sua postura conservadora, frequentemente neutra e absolutista, é invadido a 20 de maio de 1801 por Espanha e França, durante a Guerra das Laranjas (uma espécie de prelúdio das Invasões Francesas) devido à nossa ligação estratégica com Inglaterra (é aqui que ficamos sem Olivença, até hoje…). Esta guerra, quase esquecida na história, pode parecer pouco relevante, no entanto foi apenas o primeiro sinal de que algo pior, algo muito pior, estava a bater à porta.

Em 1806, Napoleão Bonaparte emite o famoso Bloqueio Continental, que proibia o comércio portuário com a Inglaterra. Portugal, sendo um dos mais antigos aliados dos britânicos, resiste em acatar as ordens napoleónicas e tenta negociar com França e Inglaterra, uma posição de neutralidade, tarefa essa que se revelaria infrutífera.  Irritado com as atitudes dos portugueses Napoleão reúne a 7 de Outubro de 1807 em Fontainebleau (próximo de Paris) com o ministro espanhol Manuel de Godoy para negociarem um acordo secreto.

Esse acordo dividia Portugal entre a França e a Espanha, com o Entre Douro e Minho a passar a chamar-se Reino da Lusitânia Setentrional e entregue à filha de Carlos IV de Espanha. O Algarve e Alentejo formariam o Principado dos Algarves, governado por Manuel de Godoy, enquanto que as províncias de Trás-os-Montes, Beira e Estremadura ficariam para Napoleão. O destino de Portugal parecia estar traçado…

Com Portugal previamente repartido por franceses e espanhóis, em 1807, Napoleão ordena a invasão de Portugal, dando ao general Jean-Andoche Junot duas tarefas muito concretas: prender família real portuguesa (sobretudo D. Maria I e D. João) e pilhar os navios fundeados no Tejo. Jean-Andoche Junot falhou ambos os objectivos…

Como é sabido a família real portuguesa fugiu para o Brasil com a ajuda de Inglaterra (que bonito!!!). Alguns textos históricos com alguma credibilidade dizem que o general Francês ainda terá visto os navios da armada real a deixar o Tejo.  Apesar de não conseguirem apanhar a família real (e com isso aprisionar também formalmente o poder: com o Rei no Brasil a capital de Portugal passa a ser o Rio de Janeiro) espanhóis e franceses, ocupam Lisboa.

O objectivo seguinte era o Porto, sendo destacado para essa missão o temível general francês François Jean Baptiste Quesnel e também uma guarnição espanhola proveniente de Vigo. Quando o exército invasor chega ao Porto eclode uma revolta em Espanha que põe fim à colaboração de Espanha com Napoleão. Neste momento de fraqueza do invasor, o povo do Porto revolta-se contra os ocupantes, sendo mesmo içada a bandeira portuguesa no forte de São João da Foz. Esta revolta contamina todo o norte do país e os franceses começam a ver-se em muito maus lençóis.

Aproveitando todo este inesperado cenário, a 1 de Agosto de 1808, uma guarnição inglesa desembarca na foz do rio Mondego. Nas semanas seguintes os ingleses e portugueses ganham duas importantes batalhas,  a da Roliça (dia 17) e a  do Vimeiro (dia 21). Não restou aos franceses nada mais que bater em retirada e regressar aos seus croissants.

Mas Napoleão, ferido no orgulho, queria mesmo conquistar o Porto. Em Março de 1809 um exército francês comandado pelo marechal Nicolas Jean-de-Dieu Soult entra em Portugal. No dia 16 de Março de 1809, as tropas napoleónicas ganham uma batalha perto de Braga e no dia 29 entraram facilmente no Porto (não se esperava uma invasão devido ao armistício assinado um ano antes).

Sem grande oposição, os soldados franceses queimaram casas, pilharam o que conseguiam carregar, violaram e atacaram a população que, indefesa, correu para a ponte das Barcas para procurar abrigo em Gaia, onde já se encontravam militares portugueses, prontos a defender a pátria.

Com tanta gente na ponte, a estrutura frágil não aguentou o peso da avalancha humana e … cedeu. Nesse tempo pouca gente sabia nadar, mesmo por ente marinheiros ou pescadores. À maioria nada mais restava que esbracejar e esperar que o Douro as embalasse. Esta é a chamada Tragédia da Ponte das Barcas e quase todos os portuenses a conhecem.

O cenário apocalíptico que se viveu naquela ponte, o esbracejar dos entes queridos no Douro, o abandonar do lar, as vidas inocentes roubadas por ganância, marcou as gente do Porto, unindo-as. Não podiam recuperar a vida ceifada aos familiares, podiam, no entanto, devolver-lhe o seu país.

Dois meses mais tarde, a 12 de Maio, os franceses foram expulsos, pela segunda vez do Porto pelas tropas portuguesas (ajudadas pelos camaradas britânicos) , forçando-os a retirarem-se de território nacional pela fronteira de Montalegre.

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