As refeições em família dos chefs com estrela Michelin

A experimentar

Ninguém a assume como uma “obsessão”, mas é quando a estrela Michelin chega ao firmamento de um cozinheiro que se alcança o alfa e o ómega da satisfação pessoal, profissional e empresarial de um projeto muitas vezes sonhado. A transformação em pratos e experiências da cornucópia de sabores e cores que diariamente bailam nas suas cabeças é tarefa dura. Como se conjuga um quotidiano tão exigente com a família? O que fazem fora do restaurante? O que se perde para ganhar a consagração? Entrámos na casa de quatro chefs com estrela Michelin.

António Loureiro

aCozinha Guimarães

Amor no máximo, desperdício no mínimo

Mal se põe o pé na casa de António Loureiro, 54 anos, sente-se no ar, para lá dos cheiros que já saem das panelas, uma espécie de aura. Nada de esotérico por ali se passa: é apenas o resultado da energia que está pregada em cada um dos membros da família do chef, somada ao carinho que vidra os olhos de António e da mulher, Isabel, quando, a meio da confeção do jantar, selam a cumplicidade com um beijo e à alegria que os três filhos do casal espalham, quase sem intervalos, pela casa. A receita a que António se agarra para amenizar a intensidade dos dias tem um ingrediente principal: o amor.

A um canto da ilha onde se confeciona o jantar, Antero, o filho mais velho (23 anos) que trabalha a tempo inteiro n’aCozinha (o restaurante que deu, em 2019, a estrela Michelin ao pai), despacha com esmero os cogumelos que farão companhia ao arroz. Na ponta oposta, Inês, 12 anos, fatia com delicadeza mais cogumelos. José António, 20 anos, chega mais tarde à conversa, preso que esteve aos livros de Gestão, curso que frequenta no polo do Porto da Universidade Católica.

É Andreia, namorada de Antero, quem atira a primeira acha: “Os horários [do namorado] são chatos”. Os do chef também. Nada que atrapalhe a logística familiar. Isabel, 51 anos, professora no polo de Guimarães da Universidade do Minho, explica como se desfazem os nós: “É bom ter muitos filhos. Ajudam-nos, ajudam-se uns aos outros e, sobretudo, são o motivo para chegarmos a casa o mais cedo possível”.

Os relatos do dia de cada um, as novidades e o debate sobre as dificuldades têm poiso comum: a cozinha, pois claro. “Quando passamos para a sala é tempo de diversão”, diz Isabel. “Ou de tirar uma soneca”, graceja o chef. “Sim, os dias de folga são passados na cozinha”, confirma José António. “Acho que é uma coisa cultural, tipicamente portuguesa”, opina Isabel, que acentua: “O restaurante chama-se aCozinha precisamente por isso: quisemos levar para lá o que se passa aqui em casa”.

Entretanto, vai ganhando corpo a máxima de António Loureiro: “O melhor cozinheiro é aquele que cozinha sem receita”. É o que ele faz: amanha os cogumelos e prepara o estrugido que há de receber o arroz, ao mesmo tempo que espreita as costelinhas estacionadas no forno e recheia com enchidos a couve que servirá de entrada, acompanhada de um (extraordinário) shot de caldo recuperado de uma refeição do dia anterior. Reduzir, até ao limite do possível, o desperdício e aproveitar tudo o que é aproveitável é, de resto, regra indisputável na família. Em casa e no restaurante.

Palato, conversa e golos

Altura para a questão sagrada: no restaurante, manda o chef. E na cozinha lá de casa? “Manda ele. No resto, partilhamos”, diz Isabel, que recebe resposta pronta do chef: “Somos sócios no negócio e na vida”. “Mandamos todos”, completa Antero. Uma democracia, portanto? “Hummm”, retorque José António: “A mãe sempre ‘impingiu’ certas coisas, para o bem e para o mal. O pai só intervém quando é preciso”.

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