Portugueses que se destacam no vinho e na gastronomia e que o fazem fora de Portugal.
Jorge Nunes, gestor de mercado da região Ásia-Pacífico na Symington, venceu a Vintners’ Cup da Wine & Spirit Education Trust (WSET). O prémio é atribuído ao aluno com a melhor nota no conjunto das seis unidades do Diploma em Vinhos e Espirituosas.
A família tinha já alguma ligação ao mundo do vinho?
Sim, cresci numa família intimamente ligada ao vinho. O meu avô materno criou uma empresa de vinhos nos anos 60, focada principalmente na produção e comercialização de vinhos baratos e simples com volumes bastante razoáveis. Eu cresci com alguma ligação ao negócio, mas nunca envolvido diretamente.
Seguiu para a UTAD para fazer o curso de enologia. Foi uma decisão natural seguir esta área?
Lembro-me bem do momento exato em que decidi que iria estudar Enologia. Tinha 16 anos na altura, e a meio de um jantar normalíssimo em casa, os meus pais perguntaram-me se eu já tinha decidido qual seria o curso universitário que eu queria. Eu na altura, “querer querer”, queria medicina. Mas as notas não chegavam para isso… Ao confessar que não sabia ainda, o meu pai na brincadeira enquanto bebia um dos vinhos da nossa família, respondeu “olha, vai para enologia, a ver se melhoras isto…” E foi aí que de facto a ideia surgiu. A de seguir enologia para um dia melhorar os vinhos que produzíamos.
O que se imaginava a fazer quando entrasse no mercado de trabalho?
Pretendia entrar no negócio da família e melhorar a qualidade do que fazíamos. No entanto, e por infeliz ironia do destino, licenciei-me na mesma semana em que o negócio foi vendido, pelo que acabei por ter que seguir outro caminho.
Terminado o curso, como foram os primeiros anos de trabalho?
A minha primeira aventura foi na Essência do Vinho! Foi pouco tempo que passei nessa casa, mas não foi só um fantástico trampolim para depois entrar na Symington. Foi também um privilégio trabalhar com uma equipa de gente muito boa, que me tratou muito bem e que me ajudou muito. Depois entrei na Symington. E a forma como entrei é curiosa. Basicamente, estou onde estou por causa de uma… cuspideira. Um elemento do marketing da Symington apareceu na loja da Essência – na altura no Palácio da Bolsa – à procura de umas cuspideiras engraçadas que utilizávamos e foi assim que soube de uma oportunidade no centro de turismo da Graham’s para gerir um winebar para provas premium de vinho do Porto e Douro DOC. Candidatei-me e fui aceite. Para além da felicidade em juntar-me a uma empresa como a Symington, o trabalho permitia-me continuar ligado à enologia, podendo estar no Douro durante o período de controlo de maturação e vindima. Foi por isso ouro sobre azul e já lá vão 15 anos.
Depois, dentro da empresa, mudou de rumo para a área comercial.
Estava no local certo à hora certa. Um ano após começar a trabalhar na Graham’s, aquando de um aumento da equipa comercial, foi-me oferecida a oportunidade de representar a empresa na Ásia, inicialmente apenas como Brand Ambassador. No fundo, dar apoio local aos nossos parceiros na região, em eventos, provas, etc. Aceitei de imediato, tinha uma enorme curiosidade em conhecer esta parte do mundo desde criança e não olhei para trás. Ao fim de dois anos, e após vários meses “na estrada”, acabei por integrar a tempo inteiro a estrutura comercial como gestor da região Ásia Pacífico.
A questão do momento: venceu o Vintners’ Cup da WSET. Como é que isso aconteceu?
Muito trabalho, muitos vinhos provados, muita prática na escrita. Não esperava vencer, muito sinceramente. Mas obviamente que estou muito feliz e orgulhoso de ter conseguido a melhor média de nota das várias unidades que perfazem o curso. Houve uma boa dose de sorte também. No último exame saiu-me uma pergunta sobre Douro, Dão e Bairrada!
Qual é o seu objetivo ao fazer o WSET?
Mais do que o diploma ou certificado, o objetivo principal desde o início era aprender mais sobre o mundo dos vinhos, praticar a prova e auto-desafiar-me.
Sente o peso de ter “batido” 110 mil colegas de mais de 70 países?
Bem, na verdade não são assim tantos. O WSET tem de facto 110 mil alunos, mas divididos pelos vários níveis do 1 (mais básico) ao 4 (mais avançado – nível Diploma). Não sei bem o número mas a taxa de sucesso é baixa e este ano houve um número recorde de alunos que passaram (667). Independentemente do número, é uma sensação fantástica tê-lo conseguido e poder representar Portugal a este nível. A responsabilidade é por isso acrescida, mas não sinto “peso” extra. Apenas muito contentamento e orgulho.
De volta ao seu trabalho, como tem sido representar uma marca tão forte a uma distância tão grande?
É uma oportunidade profissional extraordinária. A família Symington dispensa apresentações, e sinto um enorme orgulho em poder representar a empresa numa parte do mundo tão diferente e ao mesmo tempo tão entusiasmante como a Ásia-Pacífico. As marcas que temos são conhecidas e reconhecidas, facilitando o meu trabalho. No entanto, a marca “Portugal” ainda é pequena por lá. Há muito trabalho para fazer. A Symington, como uma das empresas líderes no vinho em Portugal, decidiu assumir a responsabilidade de abrir mercados e trabalhar as marcas “Portugal”, “Porto”, “Douro” e agora também “Alentejo”. Não somos os únicos presentes na região, felizmente, mas somos poucos. Espero que haja mais empresas a investir naquela parte do mundo, se possível focadas no mercado mais premium, de forma a que o futuro seja construído de forma sustentada para todos.
Que regiões cobre, especificamente?
Toda a região da Ásia Pacífico, da Índia ao Japão, da Mongólia à Nova Zelândia e ilhas do Pacífico. É uma área enorme (e com muita gente…), de múltiplas culturas, gastronomia, tradições, etc. Da mesma forma que é impossível definir a Europa como uma entidade – para além da política – é impossível fazê-lo com a Ásia, o que torna o trabalho mais difícil mas ao mesmo tempo mais interessante.
Como é o seu dia-a-dia?
Trabalho à distância e maioritariamente de casa – a pandemia não alterou muito os meus hábitos de teletrabalho. Alterou no entanto, e muito, o número de visitas aos mercados, que eram regulares. Gosto de estar presente nos mercados-chave, é fundamental para desenvolver relações comerciais e pessoais fortes, que permitam que o nosso negócio cresça de forma sustentada e a longo-prazo. Para além do trabalho de acompanhamento do negócio da região, giro a nossa equipa na China, composta por 2 colegas de nacionalidade chinesa, que me ajudam – e muito! – a desenvolver tão importante mercado.
Quem é o Jorge Nunes para além do trabalho?
Sou um sortudo. Adoro viajar e adoro vinho. O meu trabalho permite-me estar envolvido nas duas coisas. E nos tempos livres, não é muito diferente. A minha mulher é igualmente uma apaixonada por vinhos, e já é tradição de há vários anos, viajarmos para diversas regiões vitivinícolas pelo mundo fora. Aproveito também para regressar a Portugal sempre que posso. Poder estar de novo com a minha família é muito importante para mim.
Gosto de comer bem e em boa companhia, sou um apaixonado por música, fã incondicional do FC Porto, que tento acompanhar o mais possível, mesmo que os jogos sejam quase sempre a más horas para mim….
E um regresso a Portugal? Vai acontecer um dia? Está nos planos?
Sem dúvida que sim. Eu acho que todos nós portugueses sabemos quão bom o nosso país é para viver, mesmo que nos queixemos constantemente sobre os problemas mais que conhecidos e debatidos – muitas vezes com razão. Há qualidade de vida, o clima é ameno, é sossegado e cheio de boa gente. Para além disso, o vinho é excelente e cada vez melhor. Hei-de regressar, mas para já, mais uns anos de vida na Ásia, a continuar o trabalho de base importante para um bom futuro para os vinhos da Symington na região, e claro, para que a marca “Portugal” continue a crescer.
WSET em números
110 000 alunos
1969 ano de fundação
70 países
600 centros autorizados