Marta Costa e os filetes divinos

A experimentar

[Marta Costa Restaurante – Valongo]

Por Rui Zink

O escritor Rui Zink foi a um festival literário em Valongo e, agora, quer lá voltar todos os anos. 

Podemos escrever maravilhas sobre um restaurante onde só fomos uma vez? Podemos, se passados quatro meses ainda sonharmos com os filetes de pescada que por lá nos deliciaram. E não só podemos como devemos escrever se, quando voltarmos a Valongo, a primeira coisa que queiramos fazer é ir ao restaurante de Marta Costa que, por incrível coincidência, se chama restaurante Marta Costa.

Tal como os políticos quando respondem aos inquéritos de verão, eu “só tenho um defeito”. O meu defeito não é ser demasiado bom, demasiado honesto, demasiado exigente comigo mesmo, demasiado trabalhador, demasiado belo e perfecionista.

O meu defeito é apenas este: só consigo viajar em trabalho. A diferença é que os políticos dos inquéritos de verão estão a gabar-se (e talvez a aldrabar) quando dizem que “gostam de trabalhar”. Eu não. Eu não gosto de trabalhar. Aliás, acho que “gostar de trabalhar” não é virtude nenhuma. Simplesmente não consigo fugir ao trabalho, sobretudo quando viajo, porque quando viajo preciso sempre de um pretexto – e esse pretexto é o trabalho.

Em maio fui ao Onomatopeia, festival de literatura infanto-juvenil de Valongo, para andar à bulha num daqueles duelos de brincadeira falante que a Adélia Carvalho desencantou, para gáudio de miúdos e graúdos. E adorei. E já marquei presença para o ano, pelo festival, claro, mas sobretudo na esperança de poder voltar a provar aqueles filetes no Marta Costa.

É que mais dourado e leve e saboroso nunca vi. E o arroz? Não direi que foi “o melhor arroz que comi” porque, graças a Deus, Portugal está bem guarnecido de mestres arrozeiros. Em parte alguma do mundo vi a variedade e a criatividade e a bondade fumegante dos arrozes portugueses. E não é para me gabar mas (embora sempre em trabalho) eu conheço mundo. Os arrozes na Índia ou no Japão ou na China (enfim, em todo o Oriente) são sabedoria milenar, os italianos têm o risoto, a Colômbia o arroz com coco, mas os arrozes portugueses (com agrião, de tomate, com feijoca, miudezas, limão, berbigão, lingueirão, etc., arrozes secos, apenas húmidos ou declaradamente molhados) são maravilhosos. O arroz da Casa Marta Costa, esse, foi sem dúvida um dos melhores que já tive a honra, a alegria, a gula de degustar. Mais importante foi o modo como filetes e arroz combinaram.

Da escolha de vinhos, lamento, não me recordo. Sei que os copos chegavam cheios e, tal a sede (já vos disse que fui a Valongo dar à garganta?), logo ficavam vazios.

As sobremesas eram copiosas. Tanto quanto me lembro, vinham num carrinho, para tornarem mais difícil a escolha e impossível a recusa. Ainda assim, pedindo desculpa às sobremesas, a minha paixão ficou fiel aos filetes. Errata: ficou grata por aquele dia. E agora estou com curiosidade de provar os filetes de polvo, que em todo o Norte tendem a ser um esplendor, a vitela arouquesa assada no forno e o mais que aprouver.

Marta Costa prova ainda que as mulheres já não são só cozinheiras extraordinárias, podem também ser chefs. E mostrarem ao mundo aquilo que sempre tiveram mas estava meio escondido: coragem, talento empresarial, visão, presença.

Pensando bem, um dia destes – mesmo sem o pretexto do trabalho – sou homem para ir até Valongo e, como quem não quer a coisa, almoçar no Marta Costa.

R. Dom Pedro IV, 255, Valongo. 932 879 876. Qua-Sáb 12.00-14.30, 19.00-22.00, Dom-Seg 12.00-14.30

Rui Zink Escritor

 

 

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