Crítica de Restaurantes
O Frade
O balcão mais badalado de Belém, em Lisboa, faz uma coisa simples e rara: cozinha moderna a saber a cozinha tradicional.
Há por aí muitos restaurantes que se assumem como “cozinha tradicional portuguesa com um toque de modernidade”. O chavão raramente cola. A maioria, vai-se a ver, e nem faz cozinha tradicional portuguesa, nem são modernos.
Nos casos mais bafientos, olhamos para essas ementas e vemos “croquetes de alheira” ou “pica-pau de atum”. Nos casos mais vanguardistas, podemos chocar com “caldeirada no sous vide” ou “brioche de carne de porco à alentejana”. O génio abunda. Não abunda o bom gosto e o bom senso.
Faltam restaurantes contemporâneos e bonitos de cozinha portuguesa. Restaurantes onde um xerém seja um xerém, onde ovos com espargos sejam ovos com espargos. Restaurantes modernos, sem galos de Barcelos à moda da tasca e sem sofás Bedfordshire à moda do gastrobar londrino.
Como este O Frade, instalado junto ao Palácio de Belém, em Lisboa.
Tendo como peça central um pequeno balcão em pedra lioz, o sítio é luminoso e alegre, com as paredes forradas a azulejo. O formato em U permite o convívio entre a dúzia de comensais (há mais lugares na esplanada e junto aos janelões) e os cozinheiros. A finalização dos pratos é feita à frente dos clientes e usa ervas, louça de autor e empratamento cuidado, sem desvirtuar a essência.
E o que é a essência? São as empadas. É a muxama de atum com ovos. É a papada à alentejana. É o rissol de carne. É o lingueirão à Bulhão Pato. É o xerém de corvina. É o rabo de boi estufado. É o clássico arroz de pato, ex-libris da casa desde a abertura, em 2019.
É certo que nem tudo tem o mesmo grau de genuinidade. Na última visita, por exemplo, propuseram-me uns croquetes que sabiam, afinal, a croquetas (no topo, maionese de anchovas e uma lasca de cecina). E também se nota a falta de alguns clássicos bons dos primeiros tempos, entre eles a galinha cerejada, de tradição algarvia.
Outro aspecto polémico é o preço. Nunca foi barato. Tenho pago sempre entre 35€ e 50€ por pessoa e saio levezinho. Mas atenção: a aparente simplicidade da cozinha esconde mão de obra acima da média: parece a tasca, mas não é; e quem quer a atenção do cozinheiro e a exclusividade de um bistrô pequeno (com um modelo de negócio difícil) tem de pagar por isso.
O pior mesmo foi, em duas ocasiões, ter sido surpreendido com a factura inflacionada. Num caso, faltando porco preto sugeriram-me a troca por carne bovina sem indicarem que o preço seria bem mais alto. Veio depois o chef de sala cobrir a falha, sem discussões (bem). Mas noutra visita mais recente, cobraram-me 9,50€ pelas tais croquetas do dia, também fora da carta e fora do razoável. Muito dinheiro, pouca informação.
Nas bebidas, de início, um dos trunfos era o vinho de talha, trazido do Alentejo, mas o fornecimento parece ter acabado. Hoje, a carta está mais diversificada mas também mais banal e só com duas opções a copo.
À frente do projecto encontra-se a dupla de primos Sérgio Frade e Carlos Duarte Afonso, ambos com raízes na Vila de Frades, no Alentejo. Sérgio será o homem da gestão. Carlos é o chef e o galã de serviço. Nos últimos tempos, tem andado ocupado com projectos na televisão, sendo o cozinheiro fetiche da TVI e da apresentadora Cristina Ferreira. Em três visitas mais recentes que fiz ao O Frade nunca o vi — e é pena, porque Carlos tem paixão pelo que faz, sabe o que faz. Carlos não é um Chakall do século XXI.
Resumindo. O Frade faz falta a Lisboa. Continua a não haver outro balcão assim na cidade. Se é à prova de crítica? Não. Se pode ser ainda melhor? Sim.
Calçada da Ajuda 14 (Belém, Lisboa). 939 482 939. Seg-Sáb 12.30-15.00, 19.30-00.00
Ricardo Dias Felner
Escritor e Jornalista
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