Crónicas de São Paulo. Dia 3. O desconcerto do EVVAI

A experimentar

A casa de Luiz Filipe Sousa, considerada o melhor restaurante italiano de São Paulo pela revista Veja, mereceu a visita — não tão entusiástica — do Eggas. 

O Domingo não é definitivamente o meu dia favorito, seja em que cidade for. Em São Paulo não é exceção, sendo que estava programado um almoço tardio no Evvai com os meus amigos paulistas. 

Luiz Filipe Sousa é descendente de Italianos e esse intercâmbio entre a sua terra Natal, o Brasil, e a imigração Italiana é a base espiritual do menu “Oriundi” e de toda a história que nos é contada e encenada ao sermos recebidos no Evvai. Não existe, atualmente, opção “à la carte” e esta era a proposta prevista para os meses seguintes.

A cozinha aberta do restaurante. Foto: Instagram Evvai

Instalado no bairro de Pinheiros, o Evvai tem um ambiente requintado, mas descontraído. Paredes azuis-escuras, espelhos redondos e sofás castanho-caramelo criam um ambiente escuro, mas confortável. Música mais alta do que o normal e cozinha à vista aumentam a expectativa para a encenação que há-de vir.

À chegada, um jogo de dados. Quem tiver a pontuação mais alta ganha um prémio, quando chegar o pão de mandioca, massa mãe e manteiga para barrar. Passamos pelo bar, onde nos é dado um shot com um licor de ervas (Chartreuse), gin e uma esfera de coentros, limão e cereja, a relembrar tempos em que o jogo e o álcool eram clandestinos. 

Chegados à mesa, cada comensal tem acesso a uma bonita caixinha de madeira, cheia de surpresas. Além das tortinhas de beterrabas al burro e sementes de papoila, há as primaveris alcachofras (carcioffi alle brace) e salame picante, bem como cartões desenhados pelo próprio chef, que vão acompanhando os vários atos deste teatro. 

O “Oriundi” é, também, uma retrospectiva e reflexão de Luiz Filipe Sousa sobre todo o seu trabalho, a partir do momento em que se decidiu por uma carreira a solo. Estava-se em 2018. A irreverência dos seus 28 anos de idade desafiavam os sentidos com pratos como o tomate verde, pinole e infusão de sementes. 

Achei a proposta desequilibrada, com o ácido excessivo do tomate ainda verde e o adocicado da infusão. Nem casavam as texturas, nem os sabores. 

A beringela fermentada, a barriga de porco curada e o mel fermentado, juntamente com os tortelli de lagostins na lenha, ostra e lardo (gordura da barriga do porco) em caldo de açafrão, foram os dois momentos de que mais gostei. No primeiro, as texturas, as fermentações, o salgado e o doce estavam bem imaginados e no segundo, a sentir-se Itália e Brasil por mar e por terra. A ostra estava divinal, a untuosidade do lardo com o amargor do açafrão mostrava entrega e inquietação. Voltei a acreditar.

 

Tortelli de lagostins. Foto: Instagram Evvai

O momento seguinte chamava-se “Instabilidade”, ou não estivéssemos em 2021, e deu o mote até ao final da refeição. Conceptualmente, este menu e toda a envolvência são muito criativos e bem imaginados. No entanto, falta um fio condutor, equilíbrio e coerência nas apresentações. Exemplo disto, foi o cappuccino de cogumelos, canela e ervas frescas, em que depois de acabar a xícara com um caldo líquido e outro gelificado, servidos mornos, o sentimento é de alguma indiferença. Tentámos perceber se nos estava a escapar alguma coisa. Éramos quatro à mesa. Todos com a mesma sensação. 

Cappuccino de cogumelos. Foto: Instagram Evvai

A galinhada à cacciatora teve novamente uma ideia genial, mas na prática estava desequilibrada pela quantidade excessiva de azeitonas verdes que faziam com que Itália abafasse o Brasil e a sua típica Galinhada. Nem era uma coisa nem outra. O “Boi nose to tail” primava pela apresentação, pelo jogo das texturas, mas, mais uma vez, sentimos a falta do “wow!” no final das garfadas, aquela coisa que nos emociona e nos faz gritar: “Porra! Isto está bom para caraças!” Continuávamos algo amorfos e sem grande entusiasmo. Sempre à espera do próximo prato maravilhoso. Que não chegou.

Salada de frutas e iogurte de ovelha e tarte Tatin, baunilha do cerrado e caramelo de limão fermentado fecharam o último acto, sem apoteose, sem direito a encore ou aplausos de pé. 

Serviços de sala e de vinhos simplesmente impecáveis. E pairing muito bem conseguido: desde um pet nat da Toscana, cerveja artesanal de tamarilho (Minas Gerais), sake Shizenshu (natural) de Fukushima, um curioso vinho branco de Santa Catarina com castas Italianas, fantástico Beaujolais branco (Domaine Clotilde Davenne), cheio de cremosidade e com excelente acidez e frescura, e um Marsala da Sicília, entre outras escolhas bem ponderadas e competentes. 

Em síntese. Saí envolvido com o contexto, mas desconcertado com a cozinha.


José Manuel Pires

Empresário

Partilhe este texto:

Últimas