“Parece-me que na escala das medidas universais há um ponto em que a imaginação e o conhecimento se cruzam, um ponto em que se atinge a diminuição das coisas grandes e o aumento das coisas pequenas: é o ponto da arte… E o resto é ferrugem e pó das estrelas.” Vlad (…)
Perguntem a cinco amigos qual a sua “comida de conforto” favorita… Provavelmente receberão cinco respostas diferentes, em que pelo menos uma delas é: mas que raio é a comida de conforto? Isto acontece porque a noção de conforto naquilo que comemos tem a ver sobretudo com nostalgia e com memória.
O arroz da avó, a feijoada da mãe, a tarte da madrinha, a azáfama perto do fogão em dias especiais, as reuniões familiares ao redor da mesa, até mesmo um prato que odiávamos em criança e agora, inexplicavelmente, nos faz salivar (olá sopa de nabos :P). Portanto, não é de admirar que quando estamos mais em baixo, doentes ou simplesmente com saudades de casa, nada soe melhor do que alguns desses sabores nostálgicos, que nos fazem aninhar gastronomicamente em busca de aconchego.
Começo a achar que os historiadores divergem na opinião em relação às origens de praticamente quase todos os conceitos gastronómicos, a “comida de conforto”, não é excepção. O Oxford English Dictionary aponta para um artigo do Washington Post de 1977 sobre comida sulista (camarão com grão, um prato amado nos Estados Unidos da América, particularmente no sul) como a primeira utilização desse termo.
Debates históricos à parte, a maior parte das pessoas (de diferentes países ou culturas) concordam com três atributos desse tipo de comida reconfortante: têm elevado teor calórico, são pratos quentes e fumegantes e, o mais importante de tudo, são comidas que desencadeiam aquelas memórias de infância, quase sempre afectuosas. Dessa forma, a comida de conforto tem a ver com o lugar de onde nós viemos, com aquilo que os nossos pais nos deram e, à medida que o nosso palato se vai educando, com aquilo que fomos provando fora de casa, num contexto também ele repleto de boas memórias. Este último ponto ajuda a explicar como é que o peru recheado do dia de Acção de Graças me remete para esse tipo de sentimentos.
É o equivalente gastronómico de um cobertor quente, um sofá confortável e uma lareira acesa. É algo familiar e reconfortante, algo que nos injecta uma sensação quase palpável de bem-estar. Muitas vezes, é um prato que nos lembra a segurança e a protecção da infância, o amor pela família ou a importância da amizade. Pode evocar memórias de refeições compartilhadas, entes queridos e eventos felizes, tudo ao mesmo tempo.
Numa visão mais cientifica do assunto, Cheryl K. Webster (médica de saúde mental doutorada em Psicologia da Saúde Clínica e Psicologia Neurológica e também autora do blogue The Kashonna Files) concluiu nos seus estudos clínicos que os ingredientes que constam nesse tipo de refeições foram-nos passados pelos nossos ancestrais (sim, esses mesmos, os que caçavam mamutes e perseguiam javalis), e foram esses alimentos, que através dos tempos criaram e mantiveram comunidades, em refeições partilhadas em momentos especiais.
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