“O vinho não é meramente um objecto de prazer, mas também um objecto de conhecimento. Por vezes, esse prazer depende fortemente do conhecimento que possamos ter.” Roger Scruton.
Todos estamos, ou deveríamos estar, familiarizados com o facto médico-cientifico de que um copo de vinho por dia faz milagres pela nossa saúde. Nesta era fortemente polarizada, há também a opinião oposta, a de que o consumo frequente de vinho nos conduzirá, inevitavelmente, para a ruína. Esmiuçando estes dois lados da mesma moeda, o filósofo que me emprestou a frase com que adornei a publicação de hoje, Roger Scruton, chega a uma conclusão irrefutável: seja bom ou mau para a saúde (estando Scruton mais inclinado para o lado bom), o vinho é, sem margem para duvidas, bom para a alma.
Por vezes não há melhor acompanhamento para o vinho do que a filosofia. Ao filosofarmos a vida com um copo de vinho na mão conseguimos beber em pensamento, mas também somos capazes de pensarmos naquilo que bebemos. No seu livro «Eu bebo vinho logo existo», Scruton exibe um descontentamento intelectual não só com a sociedade em que vivemos mas também pelos valores com que ela se parece reger. Essa sociedade em declínio acentuado está dilacerada pela má educação, neutralizada pelos fascistas do politicamente correcto e escravizada pelos apetites mais fáceis, imediatos e enganadores. Apetites quase infantis e que por isso não exigem nada em troca da nossa mente. Nestes últimos, incluem-se o consumo de refrigerantes, fast food e refeições processadas, que deveriam ser processadas mas … em tribunal.
Para sairmos deste cenário tenebroso, o professor Scruton sugere aos jovens adultos dos nossos dias uma solução, justificando-a quer cientificamente, quer filosoficamente : abandonem o veneno das vossas Cocas na Tola e o vosso enganador Unhappy Meal, para que possam descubrir a virtude moral de beber vinho, já agora na presença de uma bela carne assada e uma boa companhia. Façam-no lentamente e sem pressas….
No final deste livro (super bem-humorado) percebemos que essa virtude moral reveste-nos de três super-poderes. O primeiro é o de ficarmos imunes ao veneno (físico e moral) que muitas vezes as tendências pretensiosas de consumo nos parecem querer administrar. O segundo é o de abrirmos os nossos horizontes de tolerância. Tolerância essa que nos faz ser capazes de perceber que enquanto sociedade devemos um profundo pedido de desculpas à bebida com a qual a nossa civilização foi fundada: o vinho. Em terceiro, o poder/lição mais importante: a sede insaciável de conhecimento. Por vezes, para termos um prazer completo e pleno ao desfrutarmos de um bom vinho temos, obrigatoriamente, de conhecer alguns dos seus segredos.
Esse querer conhecer mais vai fazer com que o acto de beber deixe de ser efectuado apenas para satisfazer algumas das necessidades mais básicas do nosso organismo, como a obtenção de hidratação ou de energia, e se torne num acto de procura, de descoberta e de cultura. Assim, pensamos no que bebemos e apenas bebemos porque somos capazes de pensar. Desta forma, o nosso prazer de beber vinho é directamente proporcional ao nosso conhecimento sobre vinho. Hoje escrevo-vos sobre um produtor em que estes pré-requisitos são necessários, especialmente num dos seus vinhos: o Quinta da Cuca.
A Quinta da Cuca está localizada na margem Sul do Rio Douro, em pleno Douro Superior, no concelho de Vila Nova de Foz Côa, entre as freguesias de Numão e Horta do Douro. A quinta tem cerca de 22 ha dos quais 20 ha são vinha, plantados entre 1980 e 2011, praticamente planos e divididos em talhões. As castas dominantes são as castas durienses: Touriga Nacional, Touriga Francesa, Tinta Roriz, Tinta Barroca, Viosinho, Rabigato e Gouveio.
Devido à sua situação geográfica, exposição e características do solo, aliado a boas práticas de viticultura, as suas vinhas têm características únicas para a produção de vinhos tranquilos. Todo este potencial é otimizado pelo sócio gerente Fernando Alonso e pela mestria/enologia de Luís Leocádio. O Quinta da Cuca Viosinho 2018 (9.90 €, 88 pts.) traja uma bonita cor amarela-citrina muito cristalina, emanando aromas discretos a hortelã-pimenta, acácia-lima e pedra molhada. Em segundo plano surgem o alperce, a maçã verde e uma pitada de espargos. O retro-nasal brinda-nos ainda com um inusitado kiwi. Na boca é bem estruturado, fresco e longo.
O rubi-denso Quinta da Cuca Touriga Nacional 2016 (17.90 €, 90 pts.) apresenta bagas silvestres, amora preta, mirtilo, violetas, cacau, noz moscada e pimenta preta no nariz. Na boca é estruturado, austero, fresco, persistente e equilibrado.
Por sua vez o Quinta da Cuca Tinto Colheita 2015 (10.90 €, 89 pts.) de porte violeta está prontíssimo a beber. No nariz é muito puro com a fruta (ameixa vermelha e arandos desidratados) a dançar harmoniosamente com as especiarias (baunilha, pimenta preta e cardamomo) e com uns achocolatados deliciosos. Na boca é elegante, sereno e mineral.
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