“Qualquer pessoa que seja Chefe, que ama a comida, sabe que lá no fundo, tudo o que importa é: ‘É bom? Dá prazer’?” Boa comida é, na maioria das vezes, comida simples.” Anthony Bourdain
A oliveira goza de uma grande fama nos dias que correm (quem a colocou recentemente no seu jardim sabe bem o preço a que estas majestosas árvores se encontram ;)), mas este prestigio não é recente, pois a oliveira tem crescido connosco, braço com ramo, enquanto civilização. Desde cedo aprendemos a ficar perto delas devido ao sabor incrível dos seus frutos, ao uso culinário do azeite e ao benefícios para a saúde que as suas folhas nos trazem (efeitos antioxidantes, anti-inflamatórios e redutores de colesterol).
Até a sua madeira era usada em obras de arte, em utensílios utilizados na alimentação e na construção de abrigos. Antes de haver electricidade, a oliveira através do azeite iluminava a nossa vida através de engenhosas lamparinas. Por tudo isto, a oliveira foi ganhando lugar de destaque em algumas histórias bem conhecidas, contadas ao longo dos milénios. Já vos falei de uma delas, a famosa história da mitologia grega sobre o “nascimento” da oliveira.
De acordo com a narrativa, o aparecimento da primeira oliveira resultou de uma competição entre Atenas, também conhecida como a deusa da sabedoria, e Poseidon, o deus do mar. Os dois disputavam o direito de se tornarem os protectores da Ática (uma região que engloba a actual Atenas).
Poseidon criou um cavalo quando atingiu uma pedra com a sua famosa lança. Quando chegou a vez de Atenas, surgiu uma oliveira – um símbolo de paz e abundância, que conquistou o povo de Ática, ao ponto de escolher Atenas para ser sua protectora, baptizando a cidade com seu nome. A oliveira está também presente numa das histórias bíblicas mais conhecidas, a do grande dilúvio provocado por uma enorme tempestade que atingiu a Terra.
Este dilúvio fez com que Noé e sua família, juntamente com alguns animais, procurassem abrigo na famosa arca, durante cento e cinquenta dias. Depois da tempestade ter passado, Deus mandou uma pomba a Noé, que trazia um ramo de oliveira no bico. Isto era um indicador claro de que o dilúvio havia cessado e que a sua família, e restante comitiva, poderia finalmente regressar a Terra.
Também os egípcios mantiveram uma relação muito próxima com a oliveira. Viam nela a fonte do seu produto mais famoso, o azeite, e também um presente da deusa Ísis, uma das principais divindades na religião do Antigo Egipto, tida como aquela que apresentou a oliveira aos humanos e os ensinou a fazer azeite.
Existem outros sinais, muito evidentes, da importância da oliveira para esta civilização, nomeadamente as representações pitorescas da produção de azeite efectuadas nas pirâmides ou as ferramentas para prensar a azeitona que muitas vezes eram encontradas entre sepulturas de personalidades importantes.
Ainda na civilização egípcia, foram descobertos (no final do milénio passado) ramos de oliveira pintados num fragmento de cerâmica incisa, juntamente com o nome do primeiro faraó Narmer (que reinou e unificou o Egipto algures entre 3200 e 3000 antes de Cristo!!!). Uns anos mais tarde o faraó Tutankhamon (que viveu entre 1341 e 1323 antes de Cristo) terá mesmo usado uma coroa tecida com folhas de oliveira em algumas celebrações, e outro faraó, Ramsés III (1194 – 1163 a.C.), foi retratado a presentear ramos de oliveira ao deus do sol Rá, como um símbolo de iluminação e agradecimento.
Passados todos estes milénios, a oliveira pode já não ser transportada por deusas e os seus ramos podem já não sinalizar o fim das cheias que por vezes ocorrem nos nossos dias, mas a oliveira continua a ter um lugar muito especial nas nossas vidas. Curiosamente e bebendo inspiração nas civilizações que nos antecederam, a oliveira mantém-se relacionada com a gastronomia, com a religião e com a saúde/bem-estar, tendo-se implantando como símbolo de paz, prosperidade, abundância, pureza e “bom garfo”. Nesta publicação, uma oliveira vai ter tudo a ver com boa gastronomia. 😉
Em Cascalhos, freguesia de Mouriscas, concelho de Abrantes, existe uma oliveira que tem mais 3350 anos de existência (isto significa que é mais velha que o mais antigo faraó que vos falei anteriormente!!!). Esta árvore, conhecida como a oliveira do Mouchão mede mais de três metros de altura e tem um perímetro de base de cerca de onze metros. É a segunda principal atracção de Abrantes, precedida pela Casa Chef Victor Felisberto. 😉
Desrespeitando “As regras da sensatez” do Rui Veloso e aproveitando a visita a esta oliveira, regressamos a um lugar onde já fomos (muitoooooooooo) felizes. Para além de revermos um amigo, voltei-me a apaixonar, desta vez por umas molejas incrivelmente saborosas e com uma textura viciante (a Bia comia este petisco como se fossem pipocas), por uns lombos de cherne super ricos, delicados e untuosos, e por umas perdizes de “fazer lamber os dedos” de tão gulosas que estavam.
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