No Porto, quem por cá estudou passou certamente por uma das mais emblemáticas semanas da sua vida: a Semana Académica da Queima das Fitas. Porém, este ano, em virtude do bicho-19, e à semelhança do ano passado, voltaram a não existir os tão afamados festejos oficiais – existindo apenas alguns oficiosos.
Nessa semana, onde as capas negras choram de saudade e as pastas transbordam fitas de segredos desta cidade, o Porto acorda para aquela que é a maior das festas do nosso país. Toda a cidade se apressa em ajudas aos seus pupilos, numa celebração digna de orgulho municipal, numa hora de despedida que nem miúdos, nem graúdos, quereriam jamais que chegasse.
E a ajuda chega sempre em boa hora: são os bares que não fecham, as roulottes que se tornam itinerantes, as banquinhas que nos remontam ao Sr. De Matosinhos e a outras romarias. Os restaurantes que se apinham em gente, em almoços, e em jantares. Aliás, em boa verdade, conseguir a marcação numa simples tasca de Super Bock barata transporta-nos, nesta semana, a uma espécie de exclusividade tipicamente de estrela Michelin.
Porém, o nosso 2021 desenhava no seu horizonte nuvens negras de indiferença e atos de resignação pandémica intoleráveis. No entanto, “porque finalista pode tudo”, não nos deixamos abater e resolvemos contornar, a maioria das vezes na legalidade, as contingências deste nosso tempo, num esforço adaptativo que convolou esta semana académica numa tal, que (imprevisivelmente) nos permitiu dizer no final que “a Queima nunca acaba”.
A Federação Académica do Porto, as Universidades da cidade e o Governo (ainda que com incompreensíveis dualidades de critérios) agiram com responsabilidade ao coativamente providenciarem o tal referido cancelamento – para lá de uma quantas, “irracionais” (dizem eles), lágrimas provocadas.
Assim sendo, o cenário proposto aos estudantes era de uma grande estreiteza nos cômputos da emergência desta nova pretensa legalidade. Inventivos, da mesma maneira com que inovamos nos outros campos da sociedade, adotámos uma nova solução disruptiva, abalando os paradigmas das festividades clássicas, num verdadeiro movimento revolucionário (o movimento estudantil em todo o seu esplendor): propusemos a sua substituição, num movimento tácito, dos famosos jantares de Queima pelos novos almoços de Queima.
E que almoços! Os rissóis na Piedade e no Pepino, as francesinhas que acomodavam o barril que estava por vir e que por lá começava, os panadinhos (como vem na carta, mas que se revelam panadões no prato) com arroz de feijão e couve da Taberna de Sto. António e, para matar toda e qualquer barriga de miséria, o famoso bife de 5 mostradas de 5 centímetros. Em boa verdade, permitisse a saúde e a carteira, e repetiria esta receita semanalmente.
Foi assim que ludibriámos todos os decretos, despachos e portarias com esta ínfima alteração. Provocamos sorrisos com tal. Os nossos – fartos do marasmo do confinamento; os comerciantes locais – ávidos de clientela exagerada. Ainda assim, tudo poderia ter corrido mal – não fosse o caso dos astros se alinharem completamente – se o brocado “queima molhada é queima abençoada” se tivesse cumprido e dizimasse as esplanadas que nesses dias ocupávamos. Não se cumpriu e o sol queimou dia e noite nesta Queima.
Para lá de tudo que poderia ter sido melhor consegui obter uma saída digna destes anos de vida de estudante. Partilhei estes dias, como sempre, com verdadeiros camaradas de armas e, da adversidade, criámos memória. E foi assim que, em vez de um cortejo académico, fizemos sete. Levámos as cartolas e as fitas apenas na terça-feira, mas mantivemos a tradição bem viva em todos os outros dias. Na verdade, a Queima, por mais que tentem, não acaba porque ela está no espírito, no nosso espírito, na alma do estudante.
José Maria Couceiro da Costa
Estudante
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