“O vinho é uma das coisas mais civilizadas e naturais do mundo que alcançou a maior perfeição. Oferece uma gama maior para o prazer e apreciação do que possivelmente qualquer outra coisa puramente sensorial.” Ernest Hemingway
Até onde precisamos “escavar” para encontramos o nascimento daquilo que hoje definimos como “museu”? Bem, se usarmos a definição mais ampla de arqueologia, a ciência que estuda vestígios materiais da presença humana, sejam estes vestígios antigos ou recentes, com o objetivo de compreender os mais diversos aspectos da humanidade, podemos rastreá-lo até aos tempos Bel-Shalti-Nana, uma princesa babilônica que criou o mais antigo museu em 530 a.C.!!!
Bel-Shalti-Nana, também conhecida como Ennigaldi-Nana, viveu há cerca de 2500 anos na cidade de Ur e teve um papel fundamental na história da arqueologia. O nome Ennigaldi-Nana que significa “a sacerdotisa, o desejo do Deus-lua”, parece fazer parte de um conjunto de iniciativas levadas a cabo pelo seu pai, Nabonidus, de modo a reacender alguns dos antigos costumes babilónicos.
Esse reacender de antigos costumes prende-se com o facto da lua ser o astro essencial para a orientação desse povo nómada e ser também o “astro garante” da sua protecção divina. Este museu exibia artefatos recuperados sob as ordens do pai de Bel-Shalti-Nana, sendo a filha responsável pela rotulagem dos mesmos. Uma rotulagem detalhada e realizada em 3 línguas diferentes.
Este museu dedicou-se ao património cultural e acredita-se que, muito provavelmente, tivesse também um propósito educacional, pois junto a ele foi construída uma escola de escribas para mulheres de elite. Depois disto, o museu de Ennigaldi-Nana foi-se perdendo nas areias do tempo, até que Leonard Woolly o descobriu em 1925.
Este arqueólogo britânico ficou perplexo quando se deparou com a sua descoberta: uma quantidade considerável de artefatos, que não viam a luz do dia há mais de 1500 anos. Essas peças que conjuntamente com alguns textos provinham de diversas áreas geográficas e de vários períodos históricos, estavam felizmente bem conservadas.
Na verdade, esta paixão pelo passado, pela história e pelos museus de Ennigaldi-Nanna, parece mais ser uma característica familiar do que outra coisa. O seu pai era fascinado por tudo o que estava relacionado com história, o que o levou a promover diversas escavações e descobrir inúmeros textos perdidos.
Deve-se a este “detalhe” o facto de muitos dos itens da colecção deste primeiro museu terem sido descobertos por ele, sendo por isso Nabonidus considerado o primeiro arqueólogo. Nabonido foi também o último rei do Império Neo-Babilónico e um reformador religioso. O seu filho mais velho, Belsazar, governou como seu regente por muitos anos, mas talvez seja mais famoso pela sua aparição no livro bíblico de Daniel, numa passagem em que o fim do reino Neo-Babilónico é desenhado/previsto por uma mão sem corpo numa parede (vamos retomar esta passagem mais à frente ;))
Infelizmente, não se sabe muito mais sobre Ennigaldi-Nana, Nabonido, Belsazar ou o seu museu. No entanto, esta família pode ser considerada como a mãe de todos os museus. Durante todos estes séculos, os museus foram adquirindo um papel fundamental/insubstituível na preservação da história e da nossa sociedade. Isto porque os museus conservam memórias do que somos e porque o somos, contando-nos histórias dentro da nossa história, que de outro modo poderiam ser esquecidas.
Apesar de existirem inúmeros temas nobres para museus e que nos ajudam a perceber um pouco da nossa história, o assunto “vinho” é um daqueles que há mais tempo foi intrinsecamente entrelaçado na trama da nossa memória colectiva. Independentemente do papel que ele foi desempenhando, por vezes principal, outras secundário, o vinho esteve sempre lá!!!
Esteve lá quando no ano 4100 a.C. foi criada na Armenia a primeira adega; esteve lá quando em 3100 a.C. os faraós o bebiam nas cerimónias mais importantes no Egipto; esteve lá quando os fenícios o utilizaram como moeda de troca nos seus negócios no mediterrâneo em 1200 a.C.; esteve lá quando no livro do Gênesis e após o dilúvio, Noé, sob os efeitos dele, se expôs demasiado aos seus filhos.
Esteve também lá a comemorar os sucessos da civilização Grega e do império Romano entre 800 a.C e 150 d.C.; esteve lá em 1500 quando nós, os portugueses, quisemos oferecer algo com valor imaterial aos ameríndios através de Pedro Álvares Cabral, ou então ofertar um sinal de paz os senhores feudais do Japão nesse mesmo século; esteve lá com Hemingway a inspirá-lo a escrever “O velho e o mar” em 1952, esteve lá na segunda Guerra Mundial quando Winston Churchill motivou o seu exército dizendo-lhes que não era só pela França que estavam a lutar, mas por Champagne; e esteve lá na maior ressaca da história aquando da revolução bolchevique.
Tudo isto, como é óbvio, saltando inúmeros e importantes capítulos. Portanto, faz todo o sentido que o vinho tenha também direito aos seus próprios museus. Embora os museus possam parecer enfadonhos para alguns de vós, quando uma degustação de vinhos faz parte do programa, provar a nossa história e a nossa cultura, passa a ter uma conotação totalmente diferente.
Hoje falo-vos de um dos mais bonitos e mais bem pensados museus dedicados ao vinho, o WOW Porto – The World of Wine, que compila a história, a magia e as emoções por detrás do vinho português, do ritual dos copos e da indústria da cortiça. Mas vai mais longe do que o seu próprio nome e acrescenta à fórmula a história da cidade do Porto e o que de melhor se faz no norte de Portugal, revelando os segredos por detrás de algumas das principais indústrias da região, como os têxteis e a moda.
Para os mais pequenos, há ainda uma fábrica de chocolate. Situado no coração da zona histórica de Vila Nova de Gaia, é possível visitar gratuitamente a sua praça central (com uma fabulosa vista sobre o Porto, por estes dias podem ser que encontrem também por lá a Bia no seu processo de formação vínica 😉).
Continue a ler o artigo em No meu Palato.