Sou um fanático dos Chefs Portugueses. Acho que o movimento que criaram e a projecção que têm tido é uma das razões para a vontade irresistível que tantos turistas têm de nos conhecerem melhor e para os prémios que vamos acumulando como um dos melhores destinos do Mundo.
Mas o que provavelmente está ainda escondido deste turismo gastronómico, que assiduamente nos visita, é um conjunto de homens e mulheres, cozinheiros e cozinheiras, quase sempre anónimos, que têm na tradição familiar e na vida dura que levam, uma tração, uma saber consabido que mais ninguém tem. E que floresce e frutifica na nossa robusta mas sublime cozinha regional.
É um instinto feito de quem foi posto muito cedo a cuidar dos outros que lhe confere a magia epicurista que têm em cada uma das mãos.
Que pode não ser a magia criativa ou artística de um grande chefe mas é a força mais verdadeira e indubitável do empírico e da experiencia recorrente. De tanto fazer assim, não sabe sequer explicar como se consegue tirar do naco de nispo ou do pica no chão aquele sabor tostado ou aquele textura suave e límpida.
Acordei com vontade de me encontrar com as minhas memórias que se cruzam com esta cozinha de pronuncia que tem origem exactamente nas famílias e nas cozinhas antigas – na ara e nas panelas de ferro, onde tudo começa.
Percorri mentalmente os meus santuários e lembrei-me da magnifica “Cozinha do Manel” onde o casal Mendes nos distingue com a sua simpatia e nos privilegia com uma das melhores cozinhas regionais de Portugal que é quase como dizer uma das melhores cozinhas regionais do mundo!
Liguei a medo – será que aquela casa antiga e serena se adaptou aos novos tempos do takeaway?
Atendimento pronto. Saudades trocadas e a certeza de que havia comida.
– A sério?, perguntei a medo.
– Brincamos? foi a resposta meio ofendida.
– Então vamos lá, proponha.
– A canja de galinha vadia…
– Ui, venha ela!
– Um sável de escabeche…
– Oh meu amigo, já estou a babar..
– E um nispo de vitela com arroz de forno que está uma categoria!
– Venha ele, claro. E as sobremesas
– Mousse caseira e a nossa rabanada
– Adjudicado, rematei antes que fosse tarde
Aprazamos a hora. Aguardei nervoso.
Na hora certa, chegou o almoço. Num cesto com uma toalha de quadrados a cobrir dos frios e dos atropelos.
Isto promete, pensei.
Tilintei para a mesa. Empratámos, não tivemos que aquecer.
A canja rescendia. A galinha vadia, até o ovo preso trazia. Que delicia!
Depois o sável. Claro que um dos mais soberbos peixes do nossos rios.
Vinha com a cebolada grossa, como convém. As fatias do sável cortadas finamente para o combate das espinhas e um vinagre suave de vinho tinto que dava só o acídulo suficiente. As “acólitas” como manda a boa bula gastronómica, eram batatas novas, cozidas ainda com pele. Que saudades eu tinha deste peixe tão peculiar que faz pratos deliciosos. Tenho um dia que Vos falar do debulho do sável. Ou do sável assado em lume de videira.
Depois o nispo, verdadeiro prato de conforto. Com a cozinha regional a luzir no seu mais exuberante firmamento.
Esta lembrava-me eu bem e tinha a segurança e a chancela da grande Cozinha do Manel.
Nem relevo a mousse e a rabanada porque estavam no gabarito habitual.
Nota 10 para esta excelente comida que não se desfavoreceu por ser servida longe da boa Cozinha do Manel.
Tudo simples, tudo bom. Parabéns a esta casa que todos os dias faz homenagem às cozinheiras e cozinheiros desconhecidos de Portugal.
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