Se o ano de 2020 foi marcado pela palavra “COVID”, o ano de 2021 poderá ser destacado pela palavra “bazuca”. Uma significou crise, a outra deveria significar recuperação.
A verdade é que o inédito pronto entendimento da União Europeia, ainda em plena crise e confinamento, em 2020, para prover recursos financeiros aos seus Estados membros, de modo a preparem a recuperação económica e a coesão social, na pós-pandemia, acabou numa esperança mitigada.
A generalidade dos países ainda não ratificou o Plano de Recuperação e Resiliência, sem o que os 750 mil milhões de euros não podem ser disponibilizados. No que nos toca, a versão aplicada a Portugal, apesar da encenação da discussão pública da aplicação dos fundos destinados ao nosso país, mais parece um tiro de pólvora seca para a economia real.
Se não, vejamos. Com a habilidade que normalmente caracteriza o Primeiro-Ministro, António Costa, que encanta a vulnerável e sugestionável comunicação social que vamos tendo, o Governo instruiu Costa e Silva a apresentar uma reflexão estratégica para Portugal, com base na qual se estruturaria um PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) nacional, usando os milhões de Bruxelas.
Essa reflexão não apenas se destinaria à revitalização da economia portuguesa como suportaria um vasto conjunto de reformas, permitindo um alinhamento do país com a modernidade e um lugar mais luminoso no futuro. A ideia, em abstrato, era boa, mas como quase todas as ideias que parecem boas de António Costa, depressa se estragou na desilusão da sua aplicação (ou falta dela) e no enviesamento que acabou por revelar, quando aprofundada.
O plano de Costa e Silva, supostamente um sábio independente, estava acometido de um objetivo, que era legitimar algo que o Governo já tinha pré-estabelecido, por fervor ideológico ou na esteira de outros interesses que um dia se confessarão: o grande beneficiário dos fundos de socorro da União Europeia seria o Estado e não o país. Friso bem: o Estado e não o país.
Ao contrário do que o regime vigente procura proclamar, o país é muito para lá do Estado, sobretudo quando este se reduz à Administração Pública ou àqueles que vivem pendurados no erário público. Contudo, foi o Estado o preferido nesta distribuição de recursos, desde o primeiro momento.
Dos quase 14 mil milhões de euros em subvenções (juntam-se mais 2.6 mil milhões em empréstimos) destinados a Portugal, só cerca de 20% são dedicados às empresas e à iniciativa privada. Tudo o resto é para o Serviço Nacional de Saúde, para a Administração Pública (para a enésima reforma, agora sobre a égide digital, que também se estende à Educação), para a transição energética (e aparece aqui o misterioso hidrogénio verde que ainda será a nossa ruína), para o comboio de alta velocidade (outra vez!) e até para a “qualidade e sustentabilidade das Finanças Públicas” (sic!). Sem mais comentários.
Convém também que se sublinhe que, com a pandemia da COVID, a Administração Pública e quem dela vive, nada sofreu. Não houve ninguém despedido no Estado ou que tivesse visto o seu rendimento diminuído neste período.
Antes pelo contrário, o número de funcionários públicos no ano transato aumentou quase 20 mil, engrossando um enorme séquito de 700 mil outros, muitos dos quais se confinaram fervorosamente em teletrabalho, havendo muitas centenas de milhar que nunca mais puseram os pés no seu local de laboração desde março de 2020.
Supostamente, a digitalização serviria para simplificar e agilizar serviços, diminuindo os intermediários neste processo: deve ser assim em toda a parte, menos em Portugal como se comprova. Por outro lado, há que olhar a economia real, constituída por muitas dezenas de milhar de empresas, sobretudo PMEs, com mais de 4 milhões de trabalhadores diretos: as empresas que perderam negócio, que perderam mercado, que estão descapitalizadas, sem rumo e sem apoios, desesperadas e prontas a desistir.
São estas empresas que tiveram e têm boa parte dos seus colaboradores em “lay off”, com efetiva perda de rendimentos, e às quais ainda tudo se lhes pede e se lhes impõe, obrigando-as a aguentarem para lá de todos os limites, a substituírem o Estado no seu papel social, além do económico, exigindo-se-lhes igualmente os impostos que pagam a máquina da Administração Pública e todos os seus excessos, mas que, quando surge a oportunidade de merecerem os merecidos apoios que chegam de Bruxelas, são deles praticamente excluídas.
É de temer, por tudo isto, que a “bazuca europeia” seja afinal de pólvora seca, ou, pior, de efeito perversamente seletivo, precisamente para manter o que precisaria de mudar. Por outras palavras, estamos a adiar a tão necessária transformação do país, de modo a poder ser mais produtivo, mais rico e mais equilibrado.
Optar por não mudar, é ficar para trás e desencontrar-nos do futuro.
Paulo Vaz
Vice-Presidente da AGAVI
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