Inovação ou disrupção não são as primeiras palavras utilizadas para descrever leguminosas como o feijão, o grão de bico ou as lentilhas.
No entanto, estes ingredientes antes vistos como uma comodidade barata e até “sem graça” estão no centro de uma das maiores revoluções na indústria alimentar-gastronómica.
O seu preço acessível, alto valor nutricional, facilidade de armazenamento e versatilidade na hora da confeção são alguns dos motivos por detrás do aumento colossal de vendas em 2020: 400% nos Estados Unidos e 335% em Espanha.
O exemplo mais caricato desta versão alimentar do patinho feio vem diretamente de Napa Valley na Califórnia. É lá que Steve Sando, responsável por uma produção comercial de feijão no Rancho Gordo, contou ao The New York Times que o aumento da popularidade dos feijões tem sido “um choque”. Steve costumava ter a tenda mais vazia do mercado, agora tem “filas de pessoas à espera”.
Há alguns anos, começara o Clube do Feijão com o objetivo de dar a conhecer as diferentes variedades de feijão produzidas no rancho. “Era uma piada, uma versão cómica dos muitos clubes de vinho na região”.
A piada tomou outra dimensão quando, no ano passado, viu a lista de espera para novos membros ultrapassar os 8000 consumidores, todos ansiosos por receber em sua casa, trimestralmente, uma caixa com os diferentes feijões e sugestões de receitas.
A mudança no destino das leguminosas está relacionada com uma das grandes tendências alimentares para 2021, as proteínas alternativas. A procura de alternativas às proteínas animais está presente na mente de todos os profissionais de I&D das grandes multinacionais alimentares e nas inúmeras startups dedicadas ao desenvolvimento e otimização de ingredientes de origem vegetal, que possam oferecer uma fonte completa de aminoácidos.
Asim Syed, diretor de I&D da fornecedora de ingredientes Brenntag, disse à New Nutrition Business que, “na área das proteínas alternativas, o trigo e a soja serão opções do passado. As lentilhas, o grão-de-bico, cânhamo, feijão e microproteínas serão as proteínas do futuro”.
As crescentes preocupações com a sustentabilidade e com a saúde, assim como uma maior oferta de novos produtos, são alguns dos motivos que levam cada vez mais pessoas a optar por incorporar leguminosas na sua dieta, como fonte de proteína vegetal.
O facto de serem ingredientes naturais justifica também a preferência por parte de muitos consumidores, mesmo quando comparados com produtos mais trendy mas altamente processados. É o caso de algumas marcas bastante mediáticas de hambúrgueres vegetais, mas que atraem um segmento de mercado ainda reduzido.
Veja-se, por exemplo, o volume de pesquisas online nos Estados Unidos, país de origem das duas marcas mais famosas deste tipo de produtos, a Beyond Meat e o Impossible Burger. Claramente a atenção dos media e de grandes cadeias, como a Burger King, têm um impacto visível no aumento de pesquisas online durante alguns períodos de tempo mas, no geral, o volume de pesquisas acerca do feijão, grão e lentilhas mantém-se mais elevado.
Quais são então as implicações de tudo isto para a indústria alimentar e gastronómica?
Incorporar ingredientes de origem vegetal naturalmente ricos em proteína, tanto em produtos finais como em menus de restauração, deve ser uma aposta futura. O aumento da procura de fontes alternativas de proteína que possibilitem refeições vegetarianas ou veganas já levou a uma resposta por parte da oferta de restauração, principalmente nas grandes cidades.
Em Lisboa, entre 2008 e 2018 houve um aumento de 514% no número de estabelecimentos de oferta vegetariana e vegana (Fonte: HappyCow). Também o número de produtos vegetarianos e veganos aumentou no mercado português, respetivamente, 150% e 237% desde 2015 (GNPD Mintel).
A inovação e o desenvolvimento de novos produtos convenientes e de fácil confeção utilizando leguminosas oferece uma oportunidade de diferenciação no mercado para empresas alimentares. A marca Hippeas, que produz puffs de grão de bico ricos em proteína e fibra (posicionados como uma boa alternativa a snacks salgados fritos), está presente nos Estados Unidos e Reino Unido e tem vendas de aproximadamente 35 milhões de euros.
Em Portugal, uma marca lançada em 2020 pela Snood Foods, a Bean’Go, oferece snacks feitos a partir de feijão vermelho, grão de bico e ervilha. Outro exemplo vem da empresa Tremoceira, que reposicionou o tremoço como parte da refeição, ao lançar os hambúrgueres de tremoço com vários sabores e 11 gramas de proteína por cada hambúrguer.
A marca Nacional também lançou farinha de grão de bico para complementar a oferta de farinhas alternativas que dificilmente seriam encontradas no mercado há poucos anos atrás.
São muitas as oportunidades que surgem da tendência das proteínas alternativas e a reinvenção das leguminosas será, sem dúvida, uma das que mais possibilidades oferecerá no futuro.
Joana Maricato
Gestora de pesquisa de mercado
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