Agarrado pelos cajus

A experimentar

Crítica de Take Away

Cantinho do Avillez

****

Tipo de cozinha: Portuguesa/Autor

Tempo: 25 minutos (Alvalade, Lisboa)

Entrega: Uber Eats.

Taxa de transporte: 3,90€ 

 

Há uma teoria que diz que um bolo-rei deve ser avaliado pela quantidade e variedade de frutos secos. Bolo-rei com muita amêndoa, por exemplo, é de primeira divisão. Bolo-rei com muita amêndoa e muito pinhão é de liga dos campeões.

Ora, a mesma ideia pode ser aplicada à cozinha de take away. E neste campeonato um contendor acaba de se destacar. Numa encomenda recente no Cantinho do Avillez, tive a maior dose de frutos secos de sempre em pratos salgados — e logo com um dos espécimes mais extraordinários, porventura o meu preferido: o caju.

Foi cajus na salada de quinoa, belíssima e de aromas magrebinos. Foi cajus na moqueca de camarão e corvina, os camarões rijos e saborosos, a corvina insolitamente suculenta e macia. E foi cajus na vitela de comer à colher.

Não uns cajus quaisquer, atenção. Cajus frescos, sem qualquer indício de ranço. Cajus tostados no ponto perfeito. Cajus crocantes, mesmo se envoltos nos mais sedosos e quentinhos molhos que se podem encontrar na comida para fora de Lisboa.

Poder-se-ia, ainda assim, julgar: isso é um enjoo; falta de imaginação. Seria. Mas dá-se o caso de caju ser o fruto mais versátil e mais bom que existe para juntar à comida. Não há nenhuma coisa no Universo, à excepção talvez do sal, que fique tão bem com tudo como cajus. Já provaram, por exemplo, as chamuças de caju e tâmara do Tentações de Goa ou do Jesus é Goês? Estou em crer que até batata frita com cajus é bom.

Fora o caju, houve o famoso arroz de pato: bagos soltos e tostados, carne tenra e abundante, chouriço acima da média. E ainda, para sobremesa, uma das mais notórias e disseminadas criações de José Avillez: a avelã ao cubo, por baixo gelado, por cima mousse com notas a caramelo salgado.

Pontos de cozedura perfeitos em tudo, sobretudo nos vegetais, ingredientes frescos em tudo e uma rapidez na entrega absolutamente extraordinária.

Tudo o que era para chegar quente chegou quente. Tudo o que era para chegar frio, chegou frio. Tudo o que era para chegar gelado, chegou gelado. Não sei como isto foi possível, mas posso imaginar o sprint na cozinha assim que o pedido caiu.

Embalamento em cartão reciclável, bem vedado e fácil de usar, à excepção do arroz de pato, aquecido em embalagem de alumínio.

Eis Avillez em modo eclético, entre Portugal e a Ásia, a fazer tudo bem com o arsenal da cozinha de conforto.

Ao todo, esta refeição, que serviu quatro pessoas, custou 70€, incluindo a taxa de entrega da Uber Eats de 3,90€.

É muito? É. É bom? É muito bom.

Comida: *****

Embalagem: ****

Conservação: *****

Preço: ***

Já depois de ter escrito e enviado esta crítica para publicação, no dia 21 de Janeiro soube-se que José Avillez iria fechar todos os seus restaurantes, temporariamente. A questão colocou-se: faria sentido dar a conhecer à mesma este texto? Decidimos que sim. Um restaurante com este cuidado na cozinha — com estes cajus — não pode fechar. Esta crítica é um reconhecimento, é memória futura e andará por aqui, certamente, aquando da reabertura. Até já, Cantinho.


Ricardo Dias Felner
Escritor e Jornalista

 

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