“Um monte de pedras deixa de ser um monte de pedras no momento em que um único homem o contempla, nascendo dentro dele a imagem de uma catedral.” Antoine de Saint-Exupéry
A possibilidade de que o tipo de rochas sobre as quais está assente uma determinada vinha pode afectar os aromas do vinho que lá é produzido, conferindo-lhe a chamada mineralidade, já é debatida há algum tempo. É certamente uma ideia romântica poder contemplar uma vinha, olhar para o solo e ser capaz de lhe atribuir certos aromas e sabores. É por isto que há algo mágico na natureza temperamental do solo e que a ciência não consegue explicar.
Alex Maltman, professor da Universidade de Aberystwyth (País de Gales) publicou um estudo (“Por que é que a mineralidade não tem o sabor dos minerais da vinha”) no qual decidiu testar se os minerais que temperavam um determinado solo também estavam presentes nos vinhos lá produzidos, descobrindo que essa relação não existia.
É com base neste estudo (e noutros que lhe sucederam) que chegamos à conclusão que não podemos definir a mineralidade como um determinado composto simultaneamente presente no solo/vinho, nem como a capacidade das videiras “sugarem” os minerais do solo, mas sim como uma combinação de muitos factores diferentes (ésteres, minerais, nível de acidez e nível de álcool) que acabam por dar ao vinho uma certa “noção” dos compostos químicos que existem no solo. Sendo assim, quando críticos de vinho se referem à “mineralidade”, estão na realidade a tentar aludir a uma característica multifacetada para a qual a ciência não tem uma definição.
É por isso que alguns enófilos, entre os quais eu, defendem que classificar um vinho simplesmente como ‘mineral” é demasiado genérico, podendo/devendo ser dividido nos aromas onde a mineralidade parece estar dissimulada: no sal, na pedregosidade, na grafite, no iodo, na pólvora, no querosene ou na dureza. Um facto que demonstra, de forma indelével, que o conceito de “mineralidade” não deve ser usado de forma individual é o de verificarmos que o principal guia dos aromas vínicos (Le Nez du Vin – The Masterkit 54 aromas de Jean Lenoir, que aproveito para dizer que aconselho vivamente, um dia falo-vos sobre ele…) exclui esses ideia de mineralidade autocentrada e redutora.
O que é certo é que esse conjunto de aromas/sabores que estão por baixo do guarda-chuva “mineralidade”, quando conjugados com as castas certas e uma vinificação não evasiva, permite que as características de um determinado local possam ser expressas num vinho, dando-lhe pertença, identidade e carácter. Encontrei essa “relação simbiótica”, nos quais um monte de pedras deixa de ser um monte de pedras para passar a ser um factor identitário, nos novos vinhos da Herdade Grande, o Herdade Grande Clássico Branco 2019 e Herdade Grande Clássico Tinto 2017.
O nome da propriedade onde a família Lança chegou há precisamente 100 anos, transformou-se numa das mais antigas marcas de vinho do Baixo Alentejo. Os primeiros rótulos criados, a partir de 1997, viriam a inscrever um nome que se tornaria reconhecido, colheita após colheita, pelos vinhos distintos, pela expressão de ousadia e de terroir (um semi-planalto com diferentes exposições, marcado por solos de xisto incomuns na sub-região da Vidigueira) .
O Herdade Grande Clássico Branco 2019 (6.50€, 81 pts.) exibe uma cor amarela-cítrica cristalina e aromas a damasco, limão, ananás, casca de tangerina, melaço e um pão torrado muito suave. No palato é fresco, elegante, ligeiramente untuoso e … mineral (xisto molhado). Acompanhou muito bem umas Cavalas com batata assada e beurre blanc.
Por sua vez o Herdade Grande Clássico Tinto 2017 (6.50€, 83 pts.), de traje rubi intenso e límpido, tem notas muito ricas a sous-bois, frutos silvestres, cereja, violetas, cassis, caramelo e espinheiro e um palato carnudo com taninos redondos, frescura vincada e uma mineralidade quente (xisto partido)… Estes são mais 2 vinhos “à Diogo Lopes”, vinhos com carácter e que nos dão muito mais do que aquilo que o preço possa fazer transparecer…
Cavalas com batata assada e beurre blanc:
-Cozam as batatas (sem descascar) em água temperada com sal;
-Cortem a cebola às rodelas finas e coloquem-nas no fundo da assadeira. Juntem tomates triturados, pimento vermelho em tiras, paprika, sal e pimenta branca;
-Temperem a cavala com sal e pimenta-branca. Façam uns cortes na cavala e coloquem paprika e noz-moscada. Coloquem a cavala na assadeira juntamente com as batatas;
-Misturem tomate triturado com a massa de pimentão, um pouco de Porto Tawny e os alhos picados, e reguem o peixe. Coloquem um pouco de louro entre as batatas.
-Levem ao forno durante 15 minutos a 220ºC;
-Sirvam com as batatas regadas com beurre blanc.
O artigo foi publicado originalmente por No meu Palato.