23 Tendências da Gastronomia para 2021

A experimentar

O ano vai ficar marcado pelo confinamento, seja ele mais ou menos folgado. Está para acontecer uma revolução e este é o momento para as grandes mudanças no paradigma dos restaurantes. Com um olho na realidade portuguesa e outro no que está a acontecer no resto da Europa e nos EUA, eis as profecias gastronómicas que a Covid cozinhou.

Por Ricardo Dias Felner

 

  1. Esplanadas de fine dining

Há cada vez mais restaurantes com mesas e cadeiras ao ar livre, mas a proibição e o receio de se comer em recintos fechados promete elevar o conceito para outro patamar. Protecções contra o vento e chuva, aquecimento, arrojo no design e ilhas de finalização são algumas das possibilidades que deverão aparecer em 2021.

  1. Restaurantes para portugueses

Com as quebras no turismo, é previsível que chefs e empresários mudem a agulha e olhem cá para dentro. Isto pode acontecer tanto na forma como no conteúdo. Deixaremos de ver tantos restaurantes nas baixas de Lisboa e Porto com nomes em Inglês. E deixaremos de ver tanta cozinha portuguesa adaptada ao paladar dos estrangeiros.

  1. Chefs privados em casa

Já começou a acontecer em 2020 e deverá aumentar. Com os restaurantes fechados, uma das vias para os chefs continuarem a trabalhar é irem cozinhar a casa dos clientes, com as devidas cautelas. O Euskalduna, no Porto, é um exemplo desta tendência e outros se deverão seguir.

  1. Take away sofisticado

Como fazer chegar a casa, em condições, uma cozinha de joalharia, como costuma ser a dos fine dinings? A questão ainda não foi respondida de forma completamente satisfatória. Muitos restaurantes de campeonato Michelin ou são forçados a optar por um cardápio mais simples ou colocam a mão-de-obra e as pinças nas mãos dos clientes. Em 2021, vão aparecer novas formas de transporte estável e novas embalagens criadas especificamente para cada criação dos chefs.

  1. Cadeias de abastecimento mais curtas

As quebras de abastecimento de alimentos no início da pandemia, em Março de 2020, foram rapidamente equilibradas. Hoje, isso não parece ser um problema, mesmo na eventualidade de sermos confrontados novamente com longos períodos de clausura. Ainda assim, essa fase reativou uma rede de relações entre consumidores finais e produtores, e entre produtores e restaurantes, que parece prosperar.

  1. Restaurantes com cozinha só para delivery

A adaptação ao take away será reforçada. Mesmo com vacina, a expectativa do crescimento da cozinha para fora é sólida e deverá justificar investimentos na própria logística dos restaurantes. Uma medida já a ser tomada profusamente em países como os EUA é a construção de cozinhas separadas, destinadas apenas à produção para take away.

  1. Fine dining em bairros residenciais

Com o esvaziamento dos centros das grandes cidades, nomeadamente de Lisboa e do Porto, os restaurantes já começaram a deslocar-se para bairros residenciais. Este movimento será tanto mais notório quanto menos baixarem as rendas que estavam a ser praticadas antes da pandemia, nas zonas históricas e turísticas. Hoje em dia, já vemos bairros como a Penha de França, em Lisboa, com cada vez mais propostas interessantes, dentro da gama média-alta. Em breve, será a vez dos fine dinings.

  1. No meio não está a virtude

Disse-o o chef João Rodrigues, em entrevista aqui ao Eggas, há umas semanas, e eu concordo. Quem vai sofrer mais com a crise, quem já está a sofrer mais, são os restaurantes de média gama, onde se pagam 25-30 euros. São esses os primeiros a fechar. Nas margens, quer os mais baratos, quer os mais caros, poderão viver melhor. Espelho de uma sociedade de ricos e pobres? Espelho das dificuldades da classe média?

  1. Experiências singulares

Em tempos de recolhimento, quando as pessoas finalmente saem procuram fazê-lo em grande. Nesse sentido, é provável que as grandes degustações, as mesas mais exclusivas, a alta cozinha mais cuidada, mas também as culinárias mais exóticas e as cozinhas do mundo continuem a ter clientela.

  1. Cozinha nepalesa

Uma das tendências da restauração, particularmente em Lisboa, têm sido os restaurantes de comida do mundo. Há uns anos foram os japoneses, depois os mexicanos, os chineses, os asiáticos modernos, os peruanos. Ora, nos últimos meses uma nova vaga de restaurantes nepaleses autênticos invadiu Lisboa. Ainda é difusa a razão, mas do bairro de Alvalade à Graça dezenas de pequenas casas de comida caseira e familiar estão a mostrar que, sendo a culinária nepalesa parecida com a cozinha indiana, tem encantos próprios.

  1. Cabrito, leitão, peixes de forno…

Por mais que a alta cozinha evolua no take away, os clássicos das encomendas para fora hão-de resistir e proliferar, por serem mais económicos e sobreviverem melhor ao transporte, tantas vezes tumultuoso. O cabrito assado e o leitão por encomenda são disso exemplo, mas também os peixes assados ou, como a Terra Pão faz, em Lisboa, cozinhados e acondicionados dentro de pão.

  1. E comida de tacho

O mesmo vale para os cozinhados de tacho. Se há comida que melhora com o tempo e com o reaquecimento são os guisados e os estufados. Há restaurantes de take away que entregam mesmo no tacho, como a Taberna da Rua das Flores, tacho que pode ser depois reposto, como se fosse vasilhame. Na semana passada, a Taberna estava a servir bochechas à colher e raia espiritual, mas já houve desde lulas recheadas a javali com cogumelos, passando por cachupa rica. Há lá coisa melhor.

  1. Fermentados

Mais tempo em casa, mais tempo, significa que a slow food vingará nos restaurantes mas também nos nossos lares. Daí que se esteja a regressar a velhos métodos de cozinha, como a fermentação natural. Já vimos isso com os pães caseiros de fermentação lenta. Seguir-se-ão outro tipo de fermentados, do kimchi à kombucha, dos picles ao kefir.

  1. Pão e mais pão

O pão artesanal feito em casa promete, de facto, regressar em grande. Muita gente ficou com o bichinho, outros entretanto suspenderam-no, mas quem aprendeu a fazer massa mãe, ou seja, fermento natural, dificilmente esquece. A febre panificadora voltará a assolar os lares portugueses e as nossas redes sociais vão-se encher outra vez de pães disformes publicados como se fossem troféus da Liga dos Campeões.

  1. De raíz:  leguminosas, bacalhau…

Pão de raíz, mas não só. Muita gente teve uma primeira formação em demolha de feijão, de grão ou de bacalhau em 2020. Ficando-se mais tempo em casa consegue-se vigiar as águas e dar conta das cozeduras lentas. É isso que acontece, por exemplo, com as leguminosas secas, que esgotaram dos supermercados em certos períodos do primeiro confinamento. Agora, os alunos avançados já sabem o valor de um bom feijão cozido caseiro e podem afinar as receitas. O mesmo para o bacalhau, que, sendo bom mesmo demolhado e ultracongelado, é melhor e mais barato quando bem preparado em casa, de raíz.

  1. Conservas

No outro dia, um amigo contou-me que ouviu um empregado de um supermercado dizer ao colega que um cliente tinha acabado de comprar 57 latas de atum. É muito atum e, por conseguinte, muito mercúrio. O que se recomenda e se prevê é uma diversificação na escolha das conservas, para bem da nossa saúde. Portugal tem muitas e boas latas, do peixe-agulha ao carapau, do polvo à sardinha. Venham elas.

  1. Intercâmbio de chefs, entreajuda

Toda a gente vai precisar de apoio. E unidos os chefs serão mais fortes. Almoços a quatro mãos, mudanças de restaurantes, intercâmbios entre cidades e países são formas de despertar o interesse dos clientes, enriquecer a cultura gastronómica de cada restaurante e dinamizar os projectos. Da mesma forma, assistiremos ao crescimento do corporativismo de classe para resistir e lutar contra as adversidades, sejam do ponto de vista financeiro ou político.

  1. Aproveitamento de peças pouco nobres

As miudezas são uma tendência antiga, mas a isso juntar-se-ão peças menos valorizadas dos animais e, por isso, mais baratas. O lombo e a vazia são luxos de outros tempos e, diga-se, podem até ser um enjoo. Bochechas de vitela, focinho de porco, pernis e cachaços, quando bem trabalhados, são bons e baratos — dois qualificativos importantes para enfrentar a crise.

  1. Menos serviço de mesa

Já se notou em 2020, quando os restaurantes começaram a cortar custos. Vai-se notar mais ainda. Veremos menos empregados a servir e seremos cada vez mais nós próprios a tratar do nosso prato. Eis mais um desafio ao formato dos restaurantes, que vão ter de encontrar formas seguras e confortáveis de self service.

  1. Cozinha por Zoom

Depois da Covid-19, mesmo quando a vida normalizar, a perspectiva é que a sociedade continue receosa de grandes aglomerações onde um vírus, este ou qualquer outro, se possa disseminar rapidamente. Daí que os cursos por Zoom ou outro tipo de plataforma para videoconferências tenham vindo para ficar, nomeadamente os cursos de cozinha. Os chefs portugueses parecem ainda não ter acordado para esta realidade, mas isso deverá acontecer muito em breve.

  1. Wine bars online

Outra forma de evasão e entretenimento são as provas de vinho em casa. Já um sucesso em 2020, voltarão em força, cada vez mais profissionalizadas e com kits de garrafas cada vez melhores. Falta o balcão do bar e as piadas do barman, mas não faltará bebida.

  1. Foco nas mulheres e nas questões raciais

Em todo o mundo, mas sobretudo nos EUA, a igualdade de género e o racismo dentro das cozinhas têm sido temas cada vez mais tratados. Por cá não é diferente, com o Congresso dos Cozinheiros e a equipa das Edições do Gosto a liderar uma campanha que pretende dar mais notoriedade às cozinheiras portuguesas e às diferentes raças que contribuem para a gastronomia em Portugal.

  1. Respeito nas cozinhas

Não vão assim tão longe os tempos em que a figura tipo do chef era um macho agressivo e prepotente. Há muitos, ainda, alguns bem conhecidos. Para esses, contudo, vai ser cada vez mais difícil garantir que os maus tratos ficam no silêncio das quatro paredes das cozinhas. Um pouco por todo o mundo, os cozinheiros e as cozinheiras, nomeadamente as vítimas de assédio sexual, começaram já falar. Em Portugal, a catarse colectiva estará iminente.

 


Ricardo Dias Felner
Escritor e Jornalista

 

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