O Natal é a festa mais querida do Mundo ou pelo menos do Mundo cristão que festeja com entusiasmo a natividade de Jesus
Verdade, verdade é que os marketeers exploraram bem a pulsão para a festa e para a partilha que se esconde no coração de todos nós e, vai dai, puseram toda a gente a dar presentes a toda a gente, num desvario consumista que se afasta da simplicidade quase pueril do menino, da manjedoura e de alguns pobres pastores.
Com presentes ou sem eles, o Natal simboliza o abraço incontido que queremos dar uns aos outros, a reunião das Famílias, os regressos a casa, a saudade portuguesa em modo concentrado que se espalha em cada lar nesta quadra tão festiva.
Se o Menino Jesus é Rei a culinária ou gastronomia é seguramente a Rainha e desde a Consoada ao dia de Natal há um desfiar profuso de tradições que dariam para escrever um tratado de Culinária.
Sou do Norte, de todos os meus costados – de um lado ligado ao Douro litoral, do outro ligado ao Minho. As tradições são parecidas nestas duas províncias vizinhas.
Na consoada quem manda é o bacalhau. Normalmente cozido com todos, mas já lá vamos!
Noutros tempos, no Minho, antes do bacalhau, serviam-se bolos de bacalhau com esparregado de grelos, polvo guisado, com torradas e arroz branco e, para que se não dissesse que a carne se escapuliu da mesa farta do Natal, terminava-se com um assado, normalmente do lombo ou do cachaço de um porco morto em tempo um nadinha mais precoce. Ainda me lembro bem desses truculentos festins. O que ainda não consigo perceber, aos olhos e barrigas de hoje, é como era possível digerir e acomodar todo aquele excesso calórico.
Já no Douro litoral, mais espartano, adicionava-se ao cozido o polvo também cozido e os outros todos, com especial destaque para a penca, mais doce e tenra, dada a natureza mais fria e agreste das serras do Marão e da Aboboreira
Os doces eram um desfilar de coisas boas. A aletria, as rabanadas, os sonhos e os mexidos, assim chamados no Minho que se transfiguravam em formigos quando passávamos para as terras do Douro. O pão de ló e o bolo rei são presença julgo que mais recente e o inevitável queijo da serra, para dar cabo de vez da nossa vesicula depauperada.
Abriam-se os vinhos, os espumantes, os tranquilos e o incontornável vinho do Porto que empurrava os brindes de uma Família agora empanturrada, mas ainda prenhe de saudade e de carinho. Saciado que estava o corpo, arrastávamo-nos ainda para a Missa do Galo, encarregue de nos tratar do espírito.
Caíamos de borco na cama e, no dia seguinte, depois da ida gloriosa ao sapatinho, vinha a roupa velha do bacalhau e o cabrito assado que no Douro se substituía pelo anho com o delicioso arroz de forno. Mais tarde, era a vez do exuberante peru recheado, com as castanhas, a farofa, o picado, a batatinha palha e o arroz branco. As sobremesas regressavam reluzentes, os brindes ainda se ouviam, agora com a voz mais arrastada dos cansaços de tudo.
A tradição é uma coisa bonita que nos dá alma, referencias e identidade. E pode, claro, ser contextualizada ao nosso tempo. Eu não cozo o bacalhau. Asso! Porque gosto mais, ponto!
E no dia de Natal, não como perú, mas capão. A carne é menos seca e o prato tem o mesmo, feliz, aparato.
É a minha tradição que é também dos meus filhos e será provavelmente dos meus netos, com as adaptações do tempo em que viverem.
A tradição de Natal tem um agregador espiritual ligado ao Menino Jesus e um agregador afectivo e familiar que a é o da grande Gastronomia portuguesa. Viva a tradição do Natal!
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