“O primeiro requisito para escrever bem sobre comida é ter bom apetite”
A.J. Leibling
As necessidades da pirâmide de Maslow, da sua base para o topo, vão das mais primárias e elementares para as mais elaboradas e sofisticadas. Vão daquilo que nos aproxima dos animais àquilo que nos afasta irremediavelmente deles.
As necessidades fisiológicas, como comer, entre outras, sem o que não poderíamos sobreviver, encontram na cultura uma forma de valorização extrema, de tal modo que que confundem a própria hierarquia da referida pirâmide.
Quando a comida se transforma em gastronomia, existe um manancial de elementos incorporados que nos distinguem das outras espécies e, inclusivamente, entre a nossa própria espécie.
Tal como a roupa, que em alguns serve apenas para se cobrir, limitando-se praticamente a protegê-los da hostilidade do meio ambiente, seja ele frio ou quente, seco ou húmido, ou a cumprir as regras morais do recato, pode ser uma forma de comunicação sobre a respetiva identidade, também a comida – e a bebida – extrapola a função de saciar a fome.
A comida satisfaz os sentidos numa aceção epicurista, tanto mais quanto o ato subjacente de cozinhar alimentos e de os consumir com deleite, mais do que apetite, nos preenche de maneira cada vez mais holística.
Comer, desfrutar de um alimento, de um prato ou de uma refeição, é um ato de cultura. Como já definia sabiamente o filósofo Agostinho da Silva, a preparação de uma refeição — a escolha dos produtos, a forma como são preparados e cozinhados, a maneira como se dispõe uma mesa ou são servidas as iguarias —, a maneira como comemos e convivemos à mesa, tudo isso está informado por séculos de história, de saber e de experiência.
Essa experiência é apurada de geração em geração, sempre em benefício de quem está, sabendo que lhe será legado algo ainda passível de melhorias, adiante.
Será redundante dizer que Portugal é um país rico na sua tradição gastronómica, pela variedade, diversidade e, sobretudo, autenticidade dos seus manjares e vinhos, que, além do mais, ganharam recentemente a coragem de mostrar maturidade e sofisticação.
Nada devemos às melhores cozinhas do mundo, algumas das quais tiveram apenas a vantagem, antes de nós, de serem melhor comunicadas e promovidas. A cozinha portuguesa foi sempre excelente, basta lembrar as iguarias das nossas avós para nos fazer crescer água na boca, mas nunca como agora foi tão bem evidenciada e disseminada, fazendo de Portugal, também neste domínio, “the world best secret”, (que já não é). Há muito ainda a realizar, mas segredo já não somos certamente.
Seja como for, como não há gastrónomo que se preze que não se orgulhe do apetite, também comer e beber devem ser respeitados ao nível da arte, elevando-nos como seres civilizados, que transformam a mais elementar necessidade humana num permanente hino aquilo que é o maior dom que nos foi dado: a vida e a sua plenitude.
Paulo Vaz
Vice-Presidente da AGAVI
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