Pedro Pena Bastos: “A estrela Michelin vai surgir, mas não é para isso que trabalho”

A experimentar

O chef de 30 anos é o responsável pela cozinha do mais recente restaurante de luxo de Lisboa, o Cura, no hotel Ritz.

Aos 25 anos, o Pedro Pena Bastos chefiava a cozinha da Herdade do Esporão. Na altura muito se falou sobre a possibilidade de ganhar uma estrela Michelin. Nunca sentiu a pressão. Aquele não foi o momento, mas acredita que vai chegar, apesar de não ser isso que o leva todas as noites para dentro de uma cozinha. Como acontece agora no Cura, o novo restaurante de luxo do hotel Ritz, em Lisboa.

“Acho que, naturalmente, se tudo correr bem irá surgir, não posso pensar nisso, não quero pensar nisso, não fico rico por causa disso”, explica Pedro Pena Bastos em entrevista à NiT, atualmente com 30 anos. Depois do projeto do Alentejo, teve um conceito em Lisboa, o Ceia, de onde saiu no final de 2019. Este era um restaurante algo exclusivo, com capacidade para poucas pessoas, mas com trabalho minucioso do chef, que apresentava propostas pormenorizadas de cozinha de autor. O que chamou à atenção precisamente da direção do Ritz.

O convite surgiu de uma forma super natural, não estava à espera. A decisão foi muito rápida, rápida demais. Eu também não gosto de perder grande tempo a tomar decisões. Acho que quando uma pessoa sente, sente.” Aceitou o desafio e está a trabalhar neste projeto há um ano.

O Cura devia ter aberto em março, mas a inauguração atrasou devido à pandemia. É desde 17 de setembro que se fazem refeições naquela que era uma antiga sala de reuniões do hotel. É aqui que Pedro Pena Bastos mostra a sua cozinha, sempre focada nos produtos sazonais e numa evolução de tudo o que aprendeu nos espaços por onde passou em estágios, e não só, como foi o caso do Belcanto, do chef José Avillez, ou do Feitoria, do João Rodrigues.

Só no meio das facas, fornos e provas é que não dá para tocar bateria. Esse hobby deixa para quando está em casa, muitas vezes às duas da manhã. Os vizinhos não se queixam, já que é elétrica e só o chef é que ouve. É uma bela forma de recordar os tempos em que teve uma banda.

O Cura abriu a 17 de setembro, no Ritz, como têm sido estas duas semanas?
Têm sido desafiantes como qualquer abertura. Há sempre muita vontade de fazer mais,  de apresentar mais e colocar mais em cima da mesa. Há um enorme desafio na gestão das equipas e dos detalhes, de ir de encontro ao conceito que queremos apresentar. Isto faz tudo parte da abertura. Tem sido um desafio. Aberturas acho que é sempre um projeto ótimo para qualquer membro da equipa, acho que é sempre um check na carreira de cada pessoa. Acima de tudo, falo por mim, estou muito feliz e acho que a equipa também partilha esse sentimento. Tenho mesmo a certeza, falamos disso todos os dias, somos muito unidos.

Voltar a estar numa cozinha, a fazer o serviço por inteiro, era algo que já sentia falta?
Sim, confesso que já tinha algumas saudades. Acima de tudo acho que foi o ter vindo para o Ritz, o ter assumido na minha cabeça que vinha para um local que existe há muitos anos e que partilha de uma história muito rica e coesa já no panorama nacional e em Lisboa, fez-me conseguir conjugar uma série de técnicas e de princípios que tenho na minha cozinha, bases e formas de cozinhar, . Isso foi ótimo e foi quase como fazer uma curadoria à nossa forma de pensar e de colocar as coisas em cima da mesa.

Como é que foi feito o convite para chefiar a cozinha do Cura?
Surgiu tudo de uma forma super natural. Não estava à espera. Na altura tinha um projeto, que era o Ceia. As coisas estavam a correr muito bem, o restaurante tinha-se acabado de pagar. Claro que era um conceito muito mais focado na experiência global da sala e não tão personalizado como temos aqui, mas a decisão foi muito rápida, rápida demais. Eu também não gosto de perder grande tempo a tomar decisões. Acho que quando uma pessoa sente, sente. E senti que havia aqui uma ótima oportunidade de carreira, obviamente, mas também de conseguir expor a minha cozinha, a forma como acredito que devemos servir o cliente, que jamais teria tido essa oportunidade se não fosse aqui. Foi avaliar uma série de parâmetros e acho que a decisão foi muito rápida e foi logo uma relação que foi logo gerada desde o início com a parte da direção do hotel. A partir daí começámos a afinar detalhes e aquilo que se pretendia com o conceito que já estava nos arquitetos. A primeira entrevista que tive nesta sala, a sala estava montada como era antigamente, com mesas e alcatifas antigas. Consegui acompanhar todo o processo desde o início e tive a oportunidade de colocar os meus inputs em cima da mesa para termos o espaço que temos agora também.

Também se envolveu nesse processo, da criação do espaço?
Decoração e design não. Até porque nunca o faria. Já que contratámos uma ótima empresa que faz esse trabalho. Não fui o único envolvido nisso. Houve muitas pessoas envolvidas, desde a direção, até serviços técnicos do hotel. A grande vantagem de trabalharmos num grande hotel e numa grande empresa é que se realmente as coisas forem bem organizadas, como foram, conseguimos ter os inputs de várias pessoas que são essenciais e nos ajudam a construir algo muito mais sólido e coerente. Consegui estar na génese do projeto, no desenvolvimento todo da cozinha, na percepção de como vamos gerir um restaurante, tento em conta que só temos uma zona de way in e way out e a zona de serviço apenas tem uma entrada. Temos 80 centímetros onde passa toda gente, todos os pratos, para dentro e para fora. Toda esta logística é complicada.

Como é abrir um restaurante numa altura de pandemia?
O ato de abrir um restaurante é muito muito difícil e extremamente complexo e desafiante. Existe muito dinheiro investido. E neste tipo de restauração as margens são mínimas, o risco é mínimo. Abrir um restaurante nesta altura, para além de todas essas variantes que já existem na abertura normal de um restaurante de autor, há a questão do confinamento e de não conseguimos rodar mesas, de termos de ter uma outra perceção da sala do que num restaurante normal e fora desta altura de Covid. Abrir isto durante a Covid é sempre um desafio, temos de trabalhar com um público mais local, com clientes mais da zona, perceber como os podemos chamar mais rotineiramente e não de ano a ano, e isso tem sido um desafio.

Houve coisas que foram alteradas por completo, que estavam pensadas para a altura da inauguração [em março] e que agora não faziam tanto sentido?
Muito poucas coisas, confesso. Mais em termos de menus e de oferta e de simplicidade nos pratos. As equipas foram reduzidas ao seu mínimo, para tornar o projeto mais rentável ou pelo menos menos prejudicial em termos de salários. Estamos no Ritz, não é um restaurante que abriu do zero, também já estive noutros locais, há toda uma grande expetativa que queremos assumir e entregar da melhor maneira. Tivemos de fazer mudanças pequeninas e assumir que as fizemos.

O que é que o Cura traz de diferente em relação aos outros projetos onde também chefiou as cozinhas, como a Herdade do Esporão ou o Ceia?
Eu nunca trabalhei de forma conceptual, agarrado a um texto ou a uma imagem que pretendemos passar, mas sim a um contexto de onde o restaurante se insere e o sentido que isso faz. Acho que o ser humano é adaptável e acho que qualquer cozinheiro que se preze e que tenha o mínimo de vontade, amor e ambição pelo aquilo que faz adapta-se levando sempre um bocado de si do passado. Isto não lhe chamando um 3.0 acaba por ser. Não vou desistir das minhas origens, não faz sentido, não consigo, não considero que a minha cozinha seja uma cozinha inspirada em cozinha molecular cheia de imensos detalhes. Se já teve mais detalhes e se calhar já foi mais ousadas em termos de vista? Sim, já. Agora consegui agarrar nessa ousadia e nessa ruptura e colocar nas nossas bases de confeção, nos nossos sabores para conseguirmos um resultado final cada vez mais simples e mas muito complexo, com enorme complexidade atrás, com enorme base de sabor e de textura, focados no produto, isso cada vez mais é o foco. No Esporão havia todo um enredo onde o restaurante se inseria, das vinhas, do ecossistema de estava à volta. Se bem que era uma experiência semelhante a este em termos de setting, set up de serviço, eram mesas de duas e de quatro, mas era almoços e tínhamos de gerir as coisas de maneira diferente. O Ceia era uma mesa comum, para 14 pessoas onde a experiência era mais focada no conjunto e não tanto reserva a reserva.

O foco nos produtos e na sazonalidade dos ingredientes é algo que o vai acompanhar sempre?
Sim, acho que faz todo o sentido. Nem consigo cozinhar de outra forma. Se em casa cozinho assim para mim. Não me faz sentido dar a volta a isso e começar a fazer quatro menus anuais que de um dia para o outro são alterados e mudados sem ter em consideração a dinâmica da cozinha dos sabores dos produtos, do que está disponível ou não. É uma gestão muito mais semanal e diária do que anual. São desafios enormes, mas faz todo o sentido ajudar os pequenos produtores, de perceber o que faz sentido enquadrar no espaço onde estamos. A parte estética vem no final. Não é o mais importante, é fundamental, mas é quase como se fosse o último filtro, depois de assumirmos toda a parte antes da seleção dos produtos.

O mais complicado nesta criação da carta, que muda ao longo do ano, ou até todas as semanas, é essa gestão?
Sim, até porque exige uma relação mais próxima com os nosso produtores e fornecedores. Se eu não tenho um peixe um dia, eu não vou estar desesperado a ligar para 20 mil fornecedores por causa daquela pescada. OK, vamos avançar para outro peixe, vamos experimentar. E depois de acordo com isso vamos avaliar o resto do prato e perceber se há mudanças a fazer. Não quero vender o Cura como um restaurante que vai alterar menus todos os dias, não é isso que vai existir. Pretendemos uma consistência e cativar clientes a virem cá mais vezes. Vai ajudar se alterarmos os menus gradualmente e que possam vir cá de dois em dois meses e não de dois em dois anos.

Apesar de algumas alterações, haverá pratos que irão ficar sempre no menu. É a forma como os clientes os recebem que irá defini-lo?
Tem de bater nas duas faces da moeda. Temos um prato que não é sazonal, a lula, e curiosamente nasceu de um trabalho que já tinha sido feito, e agora acho que sim, está bem afinado e está no seu auge. Mesmo nesse prato há detalhes que vamos alterando, nem que seja uns picles de rábano que agora estão na época. Daqui a três a quatro meses avançamos com outro tipo de detalhe para conferir acidez, mas a génese do prato está lá. Acho que é importante no menu haver pilares que nos garantam uma qualidade e uma consistência persistente.

No Cura existem três menus de degustação e várias sugestões de pratos à carta. Houve algum que tenha sido mais complicado chegar ao resultado final?
Não, acho que foi mesmo a construção geral dos menus. Foi mais isso. Os pratos vamos trabalhando, há pratos mais clássicos e pratos que são mais elementares. Diria que é mais difícil enquadrar o menu num conceito, num ritmo de serviço, na própria dinâmica e nos próprios sabores, criar um crescendo e depois uma atenuação de sabores até ao final da experiência do que focar em pratos que se não estiverem alinhados com o menu não valem de nada. O pão não vai no início por alguma razão, vai só antes da carne. Tudo tem o seu propósito e o menu foi pensado no sentido de experiência e não no sentido de encaixar os elementos só porque sim.

O que demorou mais foi criar essa conjugação e essa linha de experiência do início ao fim?
Foi um trabalho que foi desenvolvido desde o ano passado, desde que comecei com o projeto do restaurante. Fomos desenvolvendo devagarinho aquilo que queríamos apresentar enquanto menu.

O chef esteve três anos na Herdade do Esporão e na altura, com 25 anos, já se falava que o projeto poderia ganhar uma estrela Michelin? Era algo que ambicionava para aquele espaço, ou sentia que era nessa altura que poderia ser reconhecido? 
Eu sou muito sincero, acho que as estrelas Michelin são uma consequência do nosso trabalho. Não vejo isso de uma forma diferente. Não vou tratar um inspetor Michelin de uma forma diferente do que trato um jornalista ou um crítico gastronómico. Acho que não faz sentido nenhum. E cada vez acho que o impacto do Guia é menor. Mas claro que ficaria muito feliz se um dia isso acontecer, não escondo isso. Não trabalho a acordar todos os dias a pensar nisso. Acho que é uma consequência, surgirá quando surgirá. Acho que no Esporão houve um boom enorme, uma série de questões relacionadas com isso, houve muita pressão dos media. Sinceramente, acho que as coisas são como são, o trabalho é feito diariamente e não é feito anualmente. Se um dia cair, caiu, ficamos muito felizes, obviamente.

Não é uma coisa que pense diariamente, mas não é pretensão e um objetivo a vinda para este espaço?
Não é o meu objetivo de trabalho. Se surgir surgiu, ficamos todos muito felizes e vamos fazer o nosso trabalho para atingirmos uns standards, que por acaso são também coincidentes com os standards Michelin. Porque nós acreditamos que o serviço deve passar por aí. O serviço e a comida, obviamente. Acho que, naturalmente, se tudo correr bem irá surgir, não posso pensar nisso, não quero pensar nisso, não fico rico por causa disso. A minha vida não vai mudar muito por causa disso sinceramente.

Se há uns anos não tivesse ido para o Cafeína e iniciado este percurso como chef, teríamos perdido um chef e ganho o quê?
Não sei, tinha várias coisas. Estive para ir para microbiologia, para medicina. Houve uma altura, até aos meus 16 ou 17 anos, que andava no mundo da música e adorava isso, se bem que é preciso ser mais fora do que aquilo que eu sou. Tenho uma paixão pelas ciências, porque é que as coisas funcionam da forma como funcionam, e acho que isso também me ajudou a ter uma boa percepção de sabor e de olfato sobre os pratos e os produtos que trabalhamos. Hoje em dia, passados 12 anos, consigo ver isso. Realmente as nossas ambições enquanto somos crianças e adolescentes ajudam imenso a conquistar terreno mais para a frente.

Essas áreas que poderia seguir também o ajudaram neste percurso enquanto chef?
Acho que foi uma decisão de querer dar prazer às pessoas de uma forma muito mais rápida e direta e de também ter essa percepção de que estamos a fazer algo de bom. Acontece nas outras áreas de biologia e medicina, como é óbvio, e na música também, mas nós lutamos todos os dias para entregar, e estamos a entregar constantemente, sem estar à espera de nada em retorno. Pelo menos esperamos que os clientes apreciem tudo aquilo que nós fazemos, mas estamos a trabalhar para entregar algo que seja muito satisfatório para o cliente. Isso é o mais importante. É o legado que quero deixar e que acredito que montes de cozinheiros e chefs de cozinha deixam. Se não fosse por isso, não cozinhava, porque ninguém precisa de ir jantar fora, a verdade é essa.

Teve uma banda. Tocava bateria. Não sei se é algo que ainda faz, ainda toca?
Sim, ainda toco.

Em casa?
Sim.

Mas já não tem este grupo?
Infelizmente não, mas é uma coisa que nos próximos meses vou querer fazer, porque me ajuda imenso a desanuviar e a libertar para uma realidade que é quase criada naquele momento e ajuda imenso. É um hobby é um escape no fundo.

Em que circunstâncias, nesta fase, é que opta por tocar bateria?
Nas folgas, no fim de semana, no final do dia. Isto de ter uma bateria eletrónica ajuda imenso porque às duas da manhã podemos tocar à vontade e ninguém nos ouve. São momentos de hobby como toda a gente tem, eu também tenho. São momentos de relaxe em que precisamos de quebrar a rotina e nos nossos horários e o stress. Esta profissão exige um stress um bocadinho acima da média, como em medicina, como em algumas áreas mais específicas de trabalho. Acho que falo por mim e por todos os profissionais que chegam ao final do dia e sentem-se exaustos e precisam de meia hora para descomprimir, ou na folga precisam de tirar meio dia para estar noutra vibe.

É mesmo um escape, não há a possibilidade de estar a tocar e de surgir alguma ideia de algum prato, de alguma sugestão?
Não misturo áreas. Quando estou a trabalhar, estou a trabalhar, quando estou a relaxar, estou a relaxar. Já fiz isso, não resulta, não aconselho a ninguém. É mesmo importante fazer esse esforço.

Em cozinha a música também está presente? No serviço talvez não, mas nas preparação existe alguma música?
A música do restaurante está sempre ligada e ajuda a criar uma atmosfera mais relaxada para que toda a gente consiga trabalhar melhor, sem dúvida, quer a equipa se sala quer a equipa de cozinha. Tenho uma paixão enorme por música e acredito mesmo que isso é um dos sentidos que faz despertar a experiência do cliente de uma forma muito mais palpável. Por isso é que temos em consideração a nossa play list e vamos buscar músicos como Dead Combo, Mário Laginha, como coisas mais alternativas do [Bernardo] Sassetti, são alguns músicos portugueses que quisemos ver na nossa playlist. O Cura é uma palavra portuguesa que representa muito a nossa génese e o que enquanto País conseguimos oferecer, a boa curadoria dos produtos nacionais e isso vê-se em quase todos os materiais que temos aqui dentro.

Como é que foi o começo de trabalho no Cafeína?
Eu comecei no Cafeína com 18 anos. Havia uma série de cursos de cozinha para grupos e inscrevi-me para um desses e criei uma ótima relação como o chef na altura, o Camilo [Janã]. Fui-me apaixonando cada vez mais. Sabia que se gostasse nos primeiros tempos era uma área que eu queria assumir daí para a frente. Fiz uma primeira aula e na segunda já estava a dar a aula com o Camilo. Devolveram-me o dinheiro e comecei a trabalhar no Cafeína, três a quatro dias depois.

Quando tempo durou o trabalho no Cafeína?
Foi praticamente um ano. Um ano da vida minha em que decidi parar um bocado e tratar de assuntos pessoais também e aproveitar e atirar-me de cabeça para a área da restauração. O Cafeína é um restaurante super clássico, não é o maior exemplo em termos de cozinha de autor, mas é um restaurante com impacto no panorama portuense e tenho muito carinho pelo espaço e pelo chef Camilo. Foi uma porta, uma janela de oportunidade.

Neste curso do Cafeína não tinha umas bases, só depois é que vai fazer o curso na Escola de Hotelaria e Turismo do Estoril. Achou que era algo que faltava?
Sinceramente, e como todos os cursos superiores, valem o que valem, servem para o que servem, e tudo depende da pessoa que está a aprender. No meu caso não foi o caso de maior sucesso, de todo. Não fui um aluno exemplar, trabalhava muitas horas por dias, estagiava também, não tinha a maior disponibilidade para estar a fazer o curso, como tive. Fiz, acabou, foi importante. Há muitas bases de gestão e de percepção de algumas matérias que são muito importantes, por exemplo, microbiologia e fisiologias alimentares, nutrição e uma data de cadeiras que foram essenciais e que tenho a certeza que há muitas pessoas que não valorizam isso. Eu valorizei à minha maneira. É um curso superior, dá-nos as bases que dá, não é isso que nos vai fazer a vida e dar as bases no terreno. Isso só com trabalho, com estágio e com dedicação e com aprendizagem. O Estoril foi uma forma de eu sair de casa, do Porto. Ganhei muito com isso. Vale o que vale, acho fundamental as pessoas aprenderem, investirem na sua educação, quer seja em estágios, quer seja em horas teóricas de aprendizagem. Há bases que temos de consolidar bem na cabeça, de gestão e de contas. Acho que é fundamental.

Houve coisas que conseguiu retirar do curso, mas é muito importante o trabalho no terreno?
É o fundamental, sim. É o que nos vai dar realmente as bases e perceber que tipo de cozinheiro e que profissional queremos ser. É pouco relevante num panorama geral, mas muito relevante no que toca à integridade de cada um, enquanto profissional.

O chef assume-se como um autodidata, com vários testes e receitas que ia fazendo em casa. Uma das primeiras coisas que cozinhou foi uma maionese. Que outros pratos fazia quando era miúdo?
Não me lembro de me ter intitulado de autodidata, mas concordo com isso. Lembro-me sobretudo de ajudar como muitos ajudámos as nossas avós e mães. Isso foi uma coisa que sempre tive imenso interesse. Para já, porque sempre adorei comer. Era gordinho, adorava comer, adorava sabores novos, agarrar um vegetal e pôr à boca e não gostar, e depois gostar, e porque é que um é melhor do que o outro, porque temos essa percepção. Isso sempre foi super intrigante para mim. Lembro-me de fazer maionese, sim. Tinha seis anos, não é uma idade muito normal de agarrar numa farinha mágica e perceber porque é que o óleo e uma proteína estabilizam e formam uma textura homogénea e estável. Tenho memórias de infância, lembro-me de cozinhar, de fazer montes de coisas pela minha avó, que me marcam ainda hoje, como massa dos coscorões, todos os recheios dos rissóis, tudo e mais alguma coisa, as tomatadas que é um prato típico ribatejano, que se faz muito no verão. A coisa mais simples do mundo e é ótimo. Não conheço ninguém que não goste. São mais receitas e detalhes desse género. Nunca fui muito estimulado e convidado pela família a fazer parte da área da cozinha. Isso sempre foi muito das senhoras, da minha avó, da minha mãe. O meu pai não sabe cozinhar. Safava-se, se fosse preciso alguma coisa, como é óbvio. Nasceu muito da minha curiosidade e perceber o porquê das coisas.

Sempre teve o apoio da família neste percurso que criou, desde a saída do Porto?
Sempre, sim. Quando nós temos uma base muito enraizada de gastronomia na nossa família acho que é quase como estarmos a prestar um tributo a isso. E eu senti muito isso. Senti imenso apoio, de toda a gente de forma incondicional e genuína e isso é fundamental. A família neste aspeto é fundamental.

Foi no Porto que começou esta aventura, não sei se é pelo Porto que pensa um dia ter um projeto, se há esse objetivo, esse sonho, de voltar à cidade onde tudo começou?
Já pensei imensas vezes nisso e na verdade quando saí do Esporão tive meio ano no Porto a avançar com uma série de projetos e consultorias que tinha. Mas houve algo mais forte me puxou para cá. É porque existe algo que às vezes as pessoas não conseguem controlar. Tenho imensas saudades de viver no Porto, adoro a minha cidade. Tenho saudades, mas não penso muito em ter um projeto no Porto. Gosto imenso de Lisboa, vivo em Lisboa há 10 anos, estou perfeitamente bem cá. Preciso de estabilizar aqui, quero muito estabilizar aqui. Tenho um projeto para muitos e muitos anos aqui. Não tenho outras ambições neste momento em termos de projetos gastronómicos. Há pequenas coisas que poderão surgir, pequenas coisas complementares, não em termos de abrir um restaurante já no Porto. Se o Four Seasons abrir isso é outra coisa.

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